Opinião - Relevante e protagonista
Não foram 100 mil paulistanos na Avenida Paulista, não foram 100 mil cariocas na Cinelândia, não foram 100 potiguares na Praça Cívica, nem 100 mil curitibanos na Praça Santos Andrade. Foram mais de 100 mil brasileiras e brasileiros de todos os cantos do país convocados, organizados, transportados e alimentados pela estrutura do movimento sindical unido.
A poderosa manifestação do dia 24, que já se inscreve na cordilheira dos atos de resistência do movimento sindical, como o dia 15 de março, das manifestações e o dia 28 de abril, da greve geral, mais uma vez demonstra a relevância do movimento sindical e a exigência de seu protagonismo.
A imprensa internacional e a mídia brasileira registraram a pujança da manifestação; o movimento sindical unido pode fazer e fez uma manifestação unitária, nacional, forte e pacífica, até onde deu (alô, alô PSTU!).
O primeiro grito e forte é o de vitória.
Com a marcha, seu êxito e sua força, as deformas subiram no telhado. Tornaram-se inviáveis e as demonstrações disto são as tumultuadas sessões do Congresso Nacional. Não adianta tergiversar: como foram propostas e apresentadas, as deformas estão mortas.
Nem mesmo as provocações (do governo do Distrito Federal e de suas forças policiais, dos encapuçados e ensandecidos e do ministro falastrão e pré-candidato Jungman) podem desmerecer as exigências do movimento sindical unido e determinado.
Cada um dos mais de 100 mil participantes – dirigentes, ativistas, entusiastas e reprimidos – deve, ao voltar as suas bases contar a todos o que fez, o que viu, o que exige. Se cada um contar com veracidade e com ênfase (meninos, eu vi!) a 100 colegas sua experiência (as inúmeras e longas viagens de ônibus, o congraçamento nos restaurantes e nos locais de parada, o encontro emocionante em Brasília, a repressão, os gases e provocações da polícia e a beleza da marcha) os “participantes” dela passarão a ser não apenas os 100 mil que a fizeram, mas 10 milhões ou até mesmo 15 milhões de brasileiras e brasileiros.
A grande tarefa de resistência unitária do movimento sindical está sendo cumprida. Cabe à cidadania em seu sentido mais amplo (movimento sindical, movimentos sociais, partidos políticos, lideranças, organizações respeitadas da sociedade, imprensa e setores responsáveis do Estado) o encaminhamento do desfecho da crise. O movimento sindical, estou certo, não se afastará de suas determinações e contribuirá para o êxito de uma solução que garanta democracia, com a Constituição e a retomada do desenvolvimento.
João Guilherme Vargas Netto, consultor sindical
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Opinião - Constituição e desenvolvimento
Ao se analisar uma situação política complicada para orientar a ação consequente é preciso não se dependurar nas pontas finas dos galhos, mas abraçar o tronco da árvore.
Desde o início do processo de impedimento de Dilma a artificialidade é o que vem caracterizando o encaminhamento da crise. Esta artificialidade atinge hoje seu paroxismo com um estouro da boiada e com os analistas descrevendo as mil e uma alternativas que se apresentam. São os galhos finos.
O tronco verdadeiro é o do empenho em derrotar as deformas, que são a motivação última e definitiva do governo Temer, de seus acólitos e apoiadores. Derrotadas as deformas é irrelevante especular sobre quem, individualmente, será também derrotado.
O movimento sindical unido faz muito bem em perseverar nesta orientação troncuda e a marcha para Brasília, no dia 24, encarna isso e lhe dá força.
Uma das alternativas “galho fino” é a entronização do ministro da Fazenda como o novo gestor (está na moda!) da travessia neoliberal. Mas ele, Henrique Meirelles, já manifestou sua exigência de um mandato prolongado e não o parco ano e meio que o calendário constitucional lhe destinaria.
Fica, portanto, demonstrado que para manter o rumo “deformista” o rentismo quer mais do que já alcançou, quer melar as eleições de 2018. Fiat negotio pereat mundus (Faça negócio e que o mundo se exploda!); o mercado pretende controlar até mesmo a desorganização evidente e o golpe.
Para o movimento sindical unido, pelo contrário, é preciso reafirmar sua coesão pelas exigências democráticas da cidadania e enfrentar, de forma persistente, a recessão, o desemprego e a baixa dos salários, garantindo-se o “nenhum direito a menos” e derrotando as deformas.
No tronco da árvore no qual se ampara o movimento sindical unido estão gravadas duas palavras que resumem nossas intenções: Constituição e desenvolvimento.
João Guilherme Vargas Netto, consultor sindical
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Manter a unidade; melhorar a coordenação
Embora o campo de batalha das “deformas” seja o Congresso Nacional, as tropas mais aguerridas envolvidas nela são as do movimento sindical que tem pequena representação congressual.
A conjuntura hoje caracteriza-se pela concentração de forças dos dois campos em choque, com o governo utilizando-se de todos os recursos à sua disposição para arregimentar parlamentares nas duas casas e com o movimento sindical reafirmando sua posição unitária de resistência com mobilizações e manifestações no Congresso, na vida das entidades, em suas bases e na sociedade com a palavra de ordem de “nenhum direito a menos”.
Do desfecho desta luta dependerá, além do resultado final para as “deformas” (derrota ou vitória, mudanças significativas ou mudanças acessórias) o padrão de comportamento do que sobrar do governo Temer. Passada a refrega, inaugurar-se- á (viva a mesóclise!) uma nova conjuntura que será claramente uma conjuntura pré-eleitoral rumo a 2018, com a Constituição.
Ambos os “estados maiores”, o do governo Temer e o do movimento sindical disputam sua relevância na História; para o movimento sindical não há hipótese de vitória de Pirro; ela mesma seria uma derrota.
Duas cogitações fazem-se presentes. A primeira é a necessidade de continuarmos a valorizar a jornada do dia 28 de abril, ainda incompreendida e subavaliada em franjas do movimento e objeto de qualificações esdrúxulas pelos adversários. Ouçamos o próprio presidente Temer em sua entrevista no jornal O Globo em 12 de maio: “como nesse último momento em que houve o que chamaram de “greve” – porque não foi uma greve, foi uma atitude que paralisou boa parte do país”, entenda-se lá o que isto quer dizer.
A falta de uma coordenação efetiva de comunicação das centrais e de seus aliados fez com que, até hoje, não exista balanço pormenorizado e factual da jornada do dia 28, embora a CUT tenha feito uma tentativa a quente de quantificar as manifestações e greves, totalizando o número de trabalhadores paralisados em 40 milhões.
A outra cogitação diz respeito ao cuidado efetivo pela unidade de ação do movimento, que deve se fortalecer apesar das peripécias da batalha – principalmente com a grande marcha do dia 24 de maio a Brasília – e manter-se forte mesmo na futura conjuntura que surgirá do desfecho da luta.
João Guilherme Vargas Netto, consultor sindical
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Opinião - Fale pouco, aja!
Nos momentos de tensão em que muitos ficam perplexos devemos falar pouco e com precisão; o palavrório vem do Maligno e só a ação salva.
A crise de legitimidade do governo e dos políticos sacode a bacia social fazendo a água entornar por todo o lado.
O rentismo, através de seus operadores diretos e agentes midiáticos, atordoados pelo pânico, quer jogar fora, junto com a água do banho, o próprio presidente, desde que se mantenha o escandaloso rumo das “deformas”. Querem entregar o dedo para salvar os anéis.
Já o movimento sindical (que não gosta de Temer e quer vê-lo longe) em seu esforço por manter a unidade de ação, preocupa-se em derrotar as “deformas” e garantir, junto com sua relevância, protagonismo e cidadania, o desmanche do desmanche, com democracia e Constituição.
Apoio com ênfase a nota coletiva das centrais sindicais que reafirma a convocação da grande marcha a Brasília no dia 24 para a anulação das “deformas” e demais medidas regressivas e apelo ao bom senso unitário daqueles que ainda não a fizeram sua.
João Guilherme Vargas Netto, consultor sindical
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Opinião - Sobre as reformas trabalhista e previdenciária
As reformas trabalhista e previdenciária, que estão sob exame do Congresso Nacional, podem até ser necessárias, mas no formato proposto são uma ameaça ao Estado de Proteção Social e significarão um enorme retrocesso civilizatório, conforme veremos a seguir.A trabalhista, já aprovada na Câmara e sob exame do Senado, tramita sob o número de Projeto de Lei da Câmara (PLC) 38/17. O texto representa a mais abrangente investida sobre os direitos dos trabalhadores, desde a promulgação da CLT, em 1943.
O PLC 38/17 promove um verdadeiro desmonte da legislação trabalhista, atacando as três fontes do Direito do Trabalho: 1) a lei, em sentido amplo, que inclui a Constituição, as leis complementares, as leis ordinárias e os tratados internacionais subscritos pelo Brasil, como as Convenções da OIT; 2) a Sentença Normativa, que são as decisões em sede de Poder Normativo adotadas pelos Tribunais do Trabalho; e 3) a negociação coletiva.No primeiro caso estabelece a prevalência do negociado sobre o legislado, retirando da lei sua condição de norma de ordem pública e caráter irrenunciável, autorizando a transação de todo e qualquer direito assegurado, mesmo que em prejuízo da parte mais fraca econômica, social e politicamente na relação de negociação.
No segundo, restringe o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho, inclusive limitando a prescrição constitucional, e impede que a Justiça do Trabalho possa fazer uso de seu poder normativo para impor normas e condições ao empregador, além de onerar o empregado que resolver demandar judicialmente.
E, no terceiro, debilita, política e financeiramente, o movimento sindical, retirando dele recursos e prerrogativas de representação, e autoriza a negociação coletiva para reduzir direitos, inclusive com o acordo se sobrepondo à convenção, mesmo que menos vantajoso. Além disso, permite a negociação direta entre patrões e empregados, desde que o trabalhador tenha nível superior e tenha ganho dois tetos do INSS, algo como R$ 11 mil.
Os trabalhadores e suas entidades, conforme documenta o DIEESE, não se opõem à atualização e modernização do sistema de relações de trabalho brasileiras, mas exigem que sejam observados os seguintes princípios e adotadas regras de combate a práticas antissindicais, sem o cumprimento dos quais, qualquer mudança poderá resultar em precarização:
1. incentivar o diálogo e soluções compartilhadas;
2. valorizar e incentivar a negociação coletiva em todos os níveis (chão da fábrica, local, setorial e nacional);
3. fortalecer a representatividade sindical desde o local de trabalho;
4. promover a solução ágil de conflitos;
5. assegurar segurança jurídica aos trabalhadores e empregadores (públicos e privados);
6. orientar a harmonia e complementariedade entre o legislado e o negociado;
7. favorecer aprimoramento e/ou mudanças de processos, procedimentos e organização com caráter voluntário e incentivo para a adesão das partes.
A reforma da Previdência, por sua vez, está aguardando votação em dois turnos no plenário da Câmara, após ter sido aprovada na comissão especial. O texto, que tramita sob a forma da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/16, ataca, em prejuízo do segurado, os três fundamentos do benefício previdenciário: 1) a idade mínima, que é aumentada; 2) o tempo de contribuição e a carência, que também são aumentados; e 3) o valor do benefício, que é drasticamente reduzido.
A reforma da Previdência, se aprovada no formato proposto, será a responsável por uma possível quebra da paz social no Brasil, em face da quase impossibilidade, por força da ampliação das exigências, de acesso a benefícios de importante contingente de segurados e idosos.Apenas a título de ilustração, podemos mencionar quatro situações: 1) ampliação do prazo de carência para acesso a benefício previdenciário, de 15 para 25 anos, 2) instituição de idade mínima para efeito de aposentadoria, 3) aposentadoria com integralidade da média apenas após 40 anos de contribuição, e 4) redução do acesso ao benefício de prestação continuada pelo idoso.
A ampliação do prazo de carência, de 180 meses (15 anos) para 300 meses (25 anos), caso já estivesse em vigor, segundo as estatísticas do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), apenas 24% dos atuais aposentados por idade estariam em gozo de benefício, porque 76% do total de aposentados por idade não teriam comprovado os 25 anos de carência.
Ainda em relação à carência, registre-se que pelo menos um terço dos atuais segurados do INSS com idade igual ou superior a 55 não atingiriam os 25 anos de contribuição ao completarem 65 anos de idade, levando ao adiamento de suas aposentadorias para além dessa idade, comprometendo a sobrevivência desse importante contingente de brasileiros.
A instituição de uma idade mínima – é mínima porque será aumentada automaticamente sempre que houver aumento da expectativa de vida após os 65 anos de idade – em respectivamente 65 para homens e 62 para mulheres, é fundamentada no fato de que tem havido aumento da expectativa de sobrevida no Brasil e que os países desenvolvidos já adotam idades semelhantes para efeito de aposentadoria.
Essas mudanças, nos países desenvolvidos, foram antecedidas de políticas pública, que possibilitam o trabalho do idoso em condições dignas, com políticas públicas de capacitação continuada, de saúde ocupacional, de melhoria no transporte público, entre outras, diferentemente do Brasil.
Além disso, nesses países a expectativa de vida é maior que a brasileira e a expectativa de sobrevida com saúde é, igualmente, bem maior que no Brasil. A expectativa de vida com saúde no Brasil, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), é de 65,6, enquanto na Europa e nos países Nórdicos é, em média, superior à brasileira em nove anos.
A exigência de 40 anos de contribuição efetiva para fazer jus à integralidade da média de contribuição excluiria desse direito a esmagadora maioria dos trabalhadores brasileiros, porque, também, segundo estatísticas do INSS, para cada doze meses, o segurado do INSS comprova 9,1 (em razão do desemprego e da informalidade) e para comprovar 40 anos de contribuição teria que estar em atividade pelo menos 54 anos, só garantindo o direito a esse benéfico aos 72 anos, e, ainda assim, se começasse a trabalhar aos 18.
Quanto aos benefícios de Prestação Continuada (BPC), propõe-se o aumento de 65 para 68 anos de idade para acesso ao benefício, no valor de um salário mínimo, para idosos cuja renda média per capita seja inferior a um quarto de salário mínimo, considerando todos os rendimentos brutos auferidos por todos os membros da família, inclusive o próprio BPC. O aumento da idade, combinado com a inclusão de benefício de outro idoso na renda, irá excluir milhares de idosos do acesso ao BPC.
Além disso, a reforma da previdência também dá uma mãozinha para os patrões, permitindo que os aposentados que continuaram trabalhando possam ser demitidos sem recebimento da multa do FGTS. Altera o artigo 10 das Disposições Gerais da Constituição para dar esse presente aos patrões.
São reformas com viés fiscal e liberal, que prejudicam os mais pobres – ou os que dependem de salário ou de benefícios previdenciário ou assistencial – preservando de qualquer sacrifício daqueles que vivem de renda. Aliás se tira daqueles para favorecer estes. Se há necessidade de ajustes, que os sacrifícios deles decorrentes sejam distribuídos de forma proporcional à capacidade contributiva de cada brasileiro. Escolher como variável de ajuste apenas os que dependem de salário, de aposentadoria ou de prestação do Estado não é uma medida de justiça. Isso os parlamentares precisam saber!Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)