Opinião - Inteligência e determinação
É preciso dar a maior força à vigília sindical no Congresso, no dia 17 de maio e à marcha à Brasília, do dia 24.
Ambas as iniciativas garantem a pressão do movimento sindical e dos seus aliados (CNBB, OAB, OIT, judiciário, juventude e movimentos sociais) contra as “deformas” e interferem no arranjo das forças políticas nas duas casas do Congresso, dispostas a votar (com restrições) os projetos do governo e de seus líderes e relatores.
Esta pressão repercute a vitória da greve geral de 28 de abril e leva em conta as situações específicas no Senado e na Câmara, às voltas, respectivamente, com as “deformas” trabalhista e previdenciária e com um cronograma apertado.
O Congresso Nacional representa hoje o principal ponto de apoio do governo Temer com sua correlação de forças muito desfavorável aos trabalhadores e à sua resistência, mas com contradições internas muito fortes (além do antagonismo entre base de apoio e oposição).
O outro ponto de apoio forte do governo é o mercado, com suas exigências neoliberais fundamentalistas e a mídia, que repercute e amplifica tais imperativos.
A pressão no Congresso leva em conta essa dupla dependência, mas atende principalmente às expectativas da base sindical, dos trabalhadores e dos aliados e conforta a resistência oposicionista.
No Senado, o governo e suas lideranças acenam com um acordo em que os senadores, aprovando literalmente o texto já aprovado pela Câmara, façam vitoriosa a “deforma” trabalhista que seria, em seguida, modificada em vários pontos por meio de vetos presidenciais e com a edição de medida provisória.
É um Frankenstein de bom tamanho, contestado até mesmo pelos tucanos, mas que se ficar de pé garantirá ao governo o cumprimento quase completo daquilo que um neoliberal alucinado (o deputado Marinho) conseguiu que a Câmara aprovasse, até mesmo com o fim do imposto sindical.
O êxito dessa manobra no Senado daria força para que o governo, na Câmara, na “deforma” previdenciária que exige quórum qualificado, arrebanhasse os, no mínimo, 308 votos necessários. Paralelamente, o governo tem premiado os submissos e punido os resistentes e faz propaganda a rodo em seus 100 dias, mesmo com a popularidade baixíssima, escândalos, ridículos e isolamento.
É para enfrentar essa situação nestes terrenos desfavoráveis que o movimento sindical deve privilegiar sua pressão unitária, exercida com conhecimento de causa, com inteligência e determinação.
João Guilherme Vargas Netto, consultor sindical
Leia também
Brasil e suas histórias: máscaras de uma democracia
O Brasil é um país extremamente exótico. Dono de uma população muito peculiar, miscigenada, produto da fusão de brancos, negros e indígenas. Uma ebulição cultural que torna o país diferenciado de todos os demais. Essa mescla humana, porém, não se traduz em harmonia social e justiça econômica. É um dos países que sofre de uma grave concentração de renda, que alija os pobres, especialmente negros para as bordas do país, das cidades e dos bairros, criando uma estrutura ideal para proliferação de criminalidade, violência e disparidades.
A ditadura aplicou um golpe de Estado em 1964, depondo o presidente legítimo João Goulart, acusando-o de ser comunista, algo que jamais foi comprovado. O que Jango intencionava com suas reformas de base era corrigir distorções graves que durante o regime civil-militar ficaram mais evidentes: o Brasil é um país desequilibrado, socialmente injusto, onde poucos possuem muito e muitos têm pouco ou nada. A pobreza viceja em todos os rincões do país e somente entre 2001-2011, com medidas de distribuição de renda, que o país conseguiu melhorar seus indicadores internacionais.
A grande ironia do regime civil-militar: lutou para que o Brasil não se tornasse comunista, mas no seu fim, nos anos 1990 o Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil era quase idêntico ao de Cuba, sendo que o Brasil estava apenas uma posição à frente de Cuba. Porém, se analisássemos a questão da distribuição da riqueza, problema clássico brasileiro, o Brasil teria índice similar aos de países africanos. Essa é a dura verdade sobre a ditadura: ela causou pobreza econômica, cultural, política e social ao Brasil.
Há os que defendem o regime, sob a falsa impressão e sensação de segurança que dizem sentir, num período dominado pelo terror nos quais crimes comuns, como assaltos, roubos, homicídios sempre continuaram existindo, com taxas normais para época. Vale lembrar que nesse período, Nova York enfrentava altíssimos índices de violência urbana. Logicamente que o Brasil não poderia estar numa redoma, livre da criminalidade. Outros defensores do regime falam que os membros da resistência também mataram. É verdade! Porém, alguns detalhes precisam ser lembrados: as supostas vítimas da resistência eram 99% membros das polícias ou das Forças Armadas, que morreram em combate; nenhum deles foi sequestrado e torturado; por fim, nenhum deles teve seu corpo eliminado. Assim, com todo respeito, não há razões para se defender as atrocidades do regime civil-militar, especialmente quando analisamos seus métodos sádicos de tortura.
Mesmo no século XXI, o país vive uma democracia sem rumo, sem moral e sem virtude política, os brasileiros não confiam nos políticos, mas tampouco se mobilizam contra os abusos de mandatários eleitos legitimamente, mas que agem de maneira ilegítima, com improbidade administrativa e moral para com a máquina pública e todo povo brasileiro.
Ademais, sofrendo de uma extrema apatia política, o povo brasileiro permite que surjam no cenário político bizarrices, como políticos que se elegem por dizerem que não são políticos, palhaços cuja plataforma de campanha são as palhaçadas circenses e homens com discurso de ódio, que levantam a bandeira de um moralismo que não existe.
Todos esses fatos são a comprovação de que o Brasil está repleto de tumores, todos eles consequências de anos de persistente prática de terrorismo de Estado que, como disse Galeano, cria-se outros terroristas para colher álibis ao semear o ódio. É um problema antigo, que não pode ser solucionado com poucos anos, mas com décadas de investimento e políticas públicas, voltadas especialmente para inclusão das grandes vítimas desse caos: negros, mulheres, crianças e jovens, indígenas e pobres de modo geral. Talvez a solução esteja diretamente relacionada à melhora da Educação ou, podemos ser mais assertivos, na criação dela, como direito universal, público, gratuito e de qualidade.
Essa é a esperança que nutrimos: após a análise das muitas atrocidades que já ocorreram no país, que haja, não o sentimento de vingança e revanchismo, mas o sentimento de indignação e mudança para construção de um país digno de seu porte, orgulho para seu povo e exemplo para o mundo na superação da dor e do sofrimento ao estabelecer um sociedade mais fraterna, unida, visando o bem comum e a prosperidade de vários povos.
Renan Antônio da Silva, antropólogo e pesquisador. É doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Araraquara.
Leia também
Opinião - Bambu fincado do lado grosso
As centrais sindicais, as confederações e todas as entidades dos trabalhadores não devem confundir as eventuais negociações que estão ocorrendo com o afrouxamento de nossas pressões contra as “deformas”.
As negociações, cujos protagonistas são os partidos políticos e suas lideranças e que têm, às vezes, direções sindicais como coadjuvantes, visam modificar aqui e ali pontos específicos e atendem, muitas vezes, a interesses que não são os nossos. Elas estão submetidas à contradição entre a pressa do Executivo em entregar ao mercado o prometido e as preocupações dos agentes políticos – principalmente deputados e senadores – com seu futuro eleitoral; o nosso peso específico é mínimo nessas negociações.
Há, por exemplo, pressa do Executivo no encaminhamento da “deforma” trabalhista no Senado que enfrenta resistência dos senadores e procrastinação evidente na Câmara com os deputados da base de olho no Senado e “querendo o seu”, para se garantir nas votações previdenciárias. Isto pode alterar a cada momento os cronogramas.
Outro caso é o da nossa pressão, que deve ser contínua.
Ela se dá no clima político criado pela vitória da jornada do dia 28 e deve persistir nas discussões com os senadores, na marcação cerrada dos deputados e com as mobilizações previstas pelas centrais.
O cronograma complicado em Brasília – que envolve o Executivo, o Senado e a Câmara e todas as suas contradições – impõe às direções sindicais o senso de ritmo para que nossa pressão se exerça forte, onde e quando se fizer necessária. Eventuais adiamentos, eventuais mudanças, eventuais formas alternativas de luta não podem e não devem significar (nem mesmo simbolicamente) deserção da luta e, principalmente, negociação comprometida e comprometedora. Nada ganhamos com isso.
Se o bambu está fincado do lado grosso sua ponta pode flutuar para um lado ou para outro; o impossível seria uma situação firme com o bambu fincado pela ponta fina.
João Guilherme Vargas Netto, consultor sindical
Leia também
Destruição do estatuto do trabalho
A nova lei da terceirização aprovada por Temer em março deste ano começou a registrar os seus primeiros sinais de destruição do estatuto do trabalho no Brasil ardorosamente implantado desde a década de 1930. E é isso o que se pode constatar a partir dos recentes anúncios por parte das prefeituras em diferentes estados da federação de substituição das vagas de concursos públicos por sistema de licitação por menor preço.
A sua generalização nos setores público e privado tornará cada vez mais rebaixadas as atuais condições de trabalho, o que significa retroagir àquelas prevalecentes no início do século passado. Ou seja, uma regressão de um século nas conquistas da classe trabalhadora.
As informações disponíveis até o momento dão conta que prefeituras dos estados de Santa Catarina, Paraná, Alagoas, entre outros, estão oficializando a adoção do sistema de licitação na modalidade do menor preço para contratar professores, assistentes sociais, entre outros profissionais na função pública. Decorrente da atual Lei da Terceirização, o concurso público passa a ser substituído pelo regime de compras públicas.
Dessa forma, a mão de obra no setor público torna-se contratada como o que já ocorre no processo de compras públicas, como na merenda escolar, na coleta do lixo, no transporte coletivo, entre outros. Guardas municipais, professores, profissionais de saúde, entre tantos outros servidores, deixam de ingressar na função pública pelo mérito do processo seletivo estabelecido em concurso para prevalecer o emprego da mão de obra de menor preço.
Nesse sentido, por exemplo, prefeituras realizam pregão presencial com salário máximo de professor de R$ 1,2 mil ou até menos para contratação de serviços educacionais. Destaca-se que o piso nacional do magistério deste ano alcança o valor de quase R$ 2,3 mil mensal.
O Brasil encontra-se diante do maior desemprego de sua história urbana, o que o coloca entre os três países com maior quantidade de pessoas sem trabalho no mundo. Nessas condições, a terceirização tende a avançar ainda mais rapidamente, possibilitando a generalização do rebaixamento das condições de trabalho e de rendimento sem paralelo.
Destaca-se que até o ano de 2014, por exemplo, o custo do trabalho na China representava cerca de um quarto do custo brasileiro. Atualmente, encontra-se próximo de 15% superior ao do Brasil.
A consolidação de uma economia de baixos salários, com generalizadas condições precárias de trabalho, tende a transcorrer ineditamente com a aprovação da proposta de reforma trabalhista. Isso se combina com o ciclo das políticas regressivas implementado desde a aprovação da lei do teto para o gasto público não financeiro, da terceirização e das propostas de reformas da previdência social e trabalhista.
Sem a ampla mobilização social e trabalhista, os interesses da classe trabalhadora encontram-se fortemente atingidos negativamente, pois as reformas atualmente em curso representam fundamentalmente a vontade classista do rentismo. Sem discussão com a sociedade, o que se tem observado no Congresso em Brasília é o mero ritual burocrático, sem atenção para com os interesses contrariados, no caso, a maioria da população.
Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia da Unicamp. Artigo publicado originalmente na Rede Brasil Atual
Leia também
Opinião - Sustentabilidade condiciona economia resiliente
A história recente da atividade econômica mundial vivenciou momentos complexos nos quais disputas significativas foram observadas entre as concepções sobre “crescimento econômico” e “desenvolvimento econômico”.
De maneira muito simplificada pode-se pensar que o primeiro termo encontra-se relacionado com o Produto Interno Bruto (PIB) de um País enquanto que o segundo obriga particular associação com aspectos relacionados com o bem-estar do povo tais como níveis de Educação, Saúde ou Segurança.
Muito se discutiu, teorizações distintas foram desenvolvidas, posições distinguiram cada uma das possibilidades; mas, certamente, as possíveis discrepâncias assumem agora nova perspectiva quando se passa a considerá-las sob a ótica dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), particularmente, quanto ao oitavo objetivo o qual propõe “promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos”, pretendendo alcançar, também, as seguintes metas:
– sustentar o crescimento econômico per capita de acordo com as circunstâncias nacionais e, em particular, um crescimento anual de pelo menos 7% do PIB nos países menos desenvolvidos;
– atingir níveis mais elevados de produtividade das economias por meio da diversificação, modernização tecnológica e inovação;
– promover políticas orientadas para o desenvolvimento apoiando atividades produtivas, geração de emprego decente, empreendedorismo, criatividade e inovação;
– melhorar progressivamente, até 2030, a eficiência dos recursos globais no consumo e na produção, e empenhar-se para dissociar o crescimento econômico da degradação ambiental;
– alcançar, até 2030, o emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos, bem como remuneração isonômica para idênticos trabalhos;
– reduzir, até 2020, substancialmente a proporção de jovens sem emprego, educação ou formação;
– tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, e assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, e até 2025 acabar com o trabalho infantil;
– proteger os direitos trabalhistas e promover ambientes de trabalho seguros e protegidos para todos os trabalhadores;
– elaborar e implementar, até 2030, políticas para promover o turismo sustentável, que venha gerar empregos e promover a cultura e os produtos locais;
– fortalecer a capacidade das instituições financeiras nacionais para incentivar a expansão do acesso aos serviços bancários, de seguros e financeiros para todos;
– aumentar o apoio da Iniciativa de Ajuda para o Comércio para os países em desenvolvimento, particularmente os países menos desenvolvidos, e
– desenvolver e operacionalizar, até 2020, uma estratégia global para o emprego dos jovens e implementar o Pacto Mundial para o Emprego da Organização Internacional do Trabalho.
É percebido, então, que, no âmbito do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8, os termos “crescimento econômico” e “desenvolvimento econômico” passam a ser tomados, necessariamente, em simbiose enquanto propósito geral a ser atingido.
O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8 focaliza o mundo do trabalho e a realidade econômica estando orientado tanto para mudanças nos paradigmas da economia internacional quanto para alcançar desempenho econômico ou para atingir a eficiência e produtividade.
Incentivar a formalização e o crescimento de micro, pequenas e médias empresas, buscar as condições para o emprego decente, promover o empreendedorismo, garantir o trabalho para grupos sociais específicos (tais como para mulheres, pessoas com deficiência, jovens), bem como promover o necessário respeito aos direitos trabalhistas são aspectos importantes que diferenciam o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8 para o alcance da sustentabilidade.
Segundo estudos demonstram, toda sociedade que se propõe atingir equilíbrio sustentável entre os vários setores que fazem parte desta sociedade encontram maior preocupação em relação ao setor econômico. No Brasil, entretanto, mesmo diante da crise, felizmente, ocupamos o nono lugar no ranking das maiores economias mundiais. Diante desta realidade há uma esperança quanto ao Brasil atingir grande parte das metas listadas até 2030 para o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8. A dimensão continental e as riquezas naturais encontradas em nosso território podem garantir uma economia resiliente.
Todavia é necessário também perseguir, constantemente, a sustentabilidade ambiental, social e cultural de uma Nação uma vez que a mesma é a base de toda sociedade estável e mais justa. Nações que conseguem conciliar a economia com desenvolvimento sustentável se tornam, necessariamente, livres da condicional dependência de recursos e da concessão de outras nações sustentáveis e com economias fortes.
* Escrito por Carlos Magno Corrêa Dias, professor na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), coordenador do Núcleo de Instituições de Ensino Superior (NIES) do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial (CPCE) e conselheiro consultivo da CNTU. Artigo publicado originalmente no blog Giro Sustentável, da Gazeta do Povo.