Opinião - Três preocupações
Indiquei em minha última coluna aquelas que considero as três preocupações decorrentes do novo patamar alcançado por nossa resistência com a vitória da jornada do 28 de abril.
A primeira delas e essencial, é a continuidade do esforço pela unidade de ação, coisa que ficou sacramentada pela reunião das centrais sindicais (confirmando a nota conjunta para o 1º de maio unitário) que determinou um calendário de ações para o mês de maio.
A segunda é a determinação das táticas a serem adotadas nesta fase da luta em que o Congresso Nacional tem um papel relevante e em que a continuidade da pressão sobre os parlamentares deve ser efetivada.
Para os senadores eu recomendo que as entidades organizem grupos de ação qualificados para o relacionamento com cada um dos 81 senadores em Brasília e em suas bases, levando-se em conta suas características individuais (estado que representa, partido a que pertence, posição pública afirmada, influência em comissões, peculiaridades de sua atuação etc).
Na Câmara, visando os deputados, recomendo além das visitas em Brasília, a continuidade das denúncias dos que têm votado contra nós, com campanhas localizadas em suas bases, aplicando-se desde o escracho a alguns deles até a utilização maciça de outdoors contundentes e as visitas domésticas.
Em terceiro lugar observo que a comunicação sindical pode e deve melhorar. Quando se analisa o sucesso da jornada do 28 de abril não se pode deixar de registrar o relativo atraso de nossa comunicação (não existiu, por exemplo, uma central coordenadora da comunicação) e a necessidade premente de continuar a batalha pela compreensão da greve e das manifestações.
Sugiro que todo material sindical (impresso ou eletrônico) continue repercutindo a jornada, divulgando em série a participação de companheiros e companheiras da base no dia 28 (o que você fez durante a jornada do dia 28?), valorizando o orgulho de classe e o sentimento de vitória.
A luta sindical é contínua e para ter sucesso deve ser unitária, inteligente e compreensível para milhões.
João Guilherme Vargas Netto, consultor sindical
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Artigo - A importância dos sindicatos
O projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados promove uma devastação dos direitos trabalhistas, individuais e coletivos. Em apenas duas semanas, os deputados rasgaram o projeto encaminhado pelo poder Executivo e fizeram uma radical mudança no sistema de relações de trabalho, sem qualquer discussão com a sociedade. Alteraram, com a proposta, os instrumentos e regras que regem as relações sociais de produção e a distribuição econômica, construídos em um século de luta social e política.
As mudanças propostas atingem o papel dos Sindicatos e a relação deles com os trabalhadores, o processo negocial, os limites do negociado e a relação com a legislação, o conteúdo dos direitos, o papel da Justiça. O objetivo é dar ampla proteção às empresas, eliminando obstáculos, como o direito definido em Lei, o Sindicato e a Justiça do Trabalho.
O movimento sindical já chegou a debater com empresários e governos mudanças nas relações de trabalho no Brasil, tema pouco tratado no Congresso Nacional. Nas discussões, ficou claro que é fundamental avançar em regras que ampliem a representatividade das entidades sindicais, aumentem a participação direta dos trabalhadores desde o local de trabalho, fortaleçam e ampliem o papel das negociações e dos acordos coletivos (local, setorial, nacional), deem maior celeridade, agilidade e segurança às soluções dos conflitos, entre outros aspectos. Diversas propostas debatidas poderiam compor um verdadeiro projeto de modernização.
A propositura que passou na Câmara, no entanto, visa criar condições institucionais para a redução estrutural do custo do trabalho. Com esse objetivo, quebra os Sindicatos, instrumento essencial para a construção dos direitos trabalhistas, proteção dos trabalhadores e promoção de reequilíbrio na correlação de forças entre capital e trabalho. Inúmeros estudos mostram o papel essencial que os Sindicatos tiveram na construção das sociedades modernas, colaborando imensamente para torná-las menos desiguais, com mais direitos sociais e coletivos etc. Há também muitos trabalhos que mostram a rigidez (leia-se proteção) que os Sindicatos impõem à queda da taxa de salários.
No Brasil, há atualmente 11.700 Sindicatos de trabalhadores, dos quais 8.800 representam os trabalhadores urbanos e 2.900, os rurais. Cerca de 33% estão na região Sudeste, 27% no Nordeste, 23% no Sul, 10% no Centro-Oeste e 7% no Norte. Essas organizações representam cerca de 50 milhões de trabalhadores. Se incluídas a representação patronal e as entidades da estrutura vertical, são cerca de 17 mil entidades, que ocupam aproximadamente 120 mil pessoas. Esses e outros dados fazem parte da Nota Técnica 177, publicada pelo Dieese, “A importância da organização sindical dos trabalhadores” (disponível em www.dieese.org.br). O estudo mapeia o conteúdo de mais de 56 mil Convenções Coletivas e 308 mil acordos coletivos de trabalho celebrados entre 2007 e 2017 e mostra que 93% dos instrumentos tratam de questões salariais, como gratificações, adicionais, auxílios; 89% abordam o contrato coletivo de trabalho (admissão e demissão); 87% referem-se às condições de trabalho, normas de pessoal e estabilidade; 89% regulam a jornada de trabalho (duração, distribuição, controle e faltas); 70% tratam das férias e licenças; 85% regulam questões de saúde e segurança; 92% regulam as relações sindicais, além de definirem regras paras as negociações, solução de conflito, entre outros.
A história mostra o papel e a importância dos Sindicatos. A relevância reconhecida dessas entidades fez da organização sindical um direito humano fundamental, normatizado em várias convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Com o projeto aprovado na Câmara, o Brasil se desconecta e se distancia do processo civilizatório e faz um caminho regressivo rumo aos tempos de escravidão.
Clemente Ganz Lúcio, sociólogo e diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)
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Opinião - Reforma trabalhista: a bomba mãe
Entrou na pauta da Câmara dos Deputados a nova versão do projeto de reforma trabalhista, agora a partir do relatório apresentado pelo deputado Rogério Marinho, relator da Comissão Especial que analisa a proposta. Como ocorre na fantasia, na dura realidade do País, a formiga (o projeto de reforma encaminhado pelo Executivo) se transformou em elefante (a proposta apresentada pelo deputado). E o conteúdo do projeto modificado permite afirmar que se trata de um elefante atômico, uma verdadeira bomba acionada para destruir e reconfigurar o sistema de relações de trabalho e o direito trabalhista.
A justificativa que consta na apresentação do projeto indica um conjunto de fundamentos com os quais há, sim, acordo: a valorização da negociação, o fortalecimento sindical, a busca de solução ágil de conflitos, a segurança jurídica. Porém, o detalhamento da propositura no documento revela de maneira cristalina o verdadeiro sentido do projeto de reforma: criar um poderoso sistema de proteção trabalhista das empresas, que proporcione e acentue o desequilíbrio de força a favor do capital, transferindo para o trabalhador, individualmente, a solução dos conflitos entre capital e trabalho e afastando os Sindicatos dessa relação.
O projeto altera mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e outros 200 dispositivos! Amplia a liberdade de negociação para fixar parâmetros muito inferiores aos delimitados hoje na legislação. Os Sindicatos, os representantes no local de trabalho e o próprio trabalhador estão autorizados a reduzir direitos. As negociações coletivas resultarão em acordos com, no máximo, dois anos de validade, e fica proibida a ultratividade. Os Sindicatos celebram acordos com validade para todos os trabalhadores da base, sem que estes tenham nenhuma responsabilidade pelo financiamento dessa ação. As entidades perderão a capacidade de financiamento e, pior, o trabalhador que quiser contribuir com elas deverá comunicar a empresa – o que é um acinte à liberdade sindical. E tem mais: os trabalhadores deverão eleger comissões por empresas, nas quais fica proibida a participação sindical! Essas comissões terão poder de negociação e de quitação de débitos trabalhistas, que também podem ser saldados pelo próprio trabalhador, ao longo do ano. Criam-se as bases para o sindicalismo por empresa, sonho neoliberal no século XXI.
Inúmeras práticas de precarização das condições de trabalho e flexibilização das formas de contratação serão legalizadas. No limite, o trabalhador ganhará por hora trabalhada e ponto – trabalho intermitente, jornada parcial, teletrabalho, home office etc.
A Justiça do Trabalho será estruturalmente alterada, com a atuação restrita, e haverá inúmeros instrumentos para cercear o acesso dos trabalhadores a ela. O objetivo é limitar o ônus das empresas.
O projeto mira a redução estrutural do custo do trabalho, a garantia de que não haverá pressão distributiva, mas segurança jurídica e validade de acordos privados, entre empresas e indivíduos ou com Sindicatos fracos. Trata-se de uma proposta ousada, porque escancara uma intenção de recolocar as “coisas no seu devido lugar”. Como a bomba que Donald Trump lançou no Afeganistão, essa reforma tem efeitos destrutivos estruturais e de longo prazo, inúmeras vezes mais drásticos e perniciosos do que a da Previdência.
Tempos difíceis, de muita luta e mobilização para construir capacidade de resistir e/ou produzir o inédito. O futuro está para ser construído. É preciso ir à luta!
Clemente Ganz Lúcio, técnico de Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)
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Opinião - Vitória! Vitória! Vitória!
O grande feito da jornada do 28 de abril (e das comemorações do 1º de Maio, que este ano foram o seu prolongamento) foi demonstrar perante o povo brasileiro – e consequentemente perante o mundo político – a relevância do movimento sindical dos trabalhadores.
O êxito da greve geral foi construído paulatinamente, com inteligência e persistência, desde que se recuperou a unidade de ação do movimento e se adotou a linha unitária de resistência às “deformas”.
A capacidade estrutural de mobilização do movimento sindical trouxe para si o apoio de vários movimentos sociais, religiosos, jurídicos e de intelectuais de peso. A nação acordou.
Mudou-se o patamar de resistência e as confederações sindicais já começaram, hoje mesmo, a planejar seu trabalho de convencimento dos senadores em relação à votação da “deforma” trabalhista.
A jornada do dia 28 teve confirmadas quatro características essenciais: foi forte, nacional, unitária e de resistência. A bola preta ficou com a repressão no Rio de Janeiro e em Goiás e com as despudoradas manifestações públicas do prefeito de São Paulo e do ministro da Justiça.
Trava-se agora a guerra da compreensão do que houve. Nesta guerra, a verdade (que é a nossa) enfrenta a pós-verdade (de nossos adversários).
A nossa verdade tem a força de pelo menos três pilares de opinião: os milhões que fizeram as greves e as manifestações, os milhões que as assistiram ao vivo com simpatia e até mesmo os milhares que as atacaram furiosamente nas redes sociais.
A luta continua e suas exigências são o reforço persistente de nossa unidade, o estabelecimento de táticas adaptadas à nova situação e o fortalecimento da comunicação sindical.
O grande herói foi o povo trabalhador brasileiro que reconhece a relevância do movimento sindical.
João Guilherme Vargas Netto, consultor sindical
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Opinião - Data histórica
Em 1891 uma polêmica agitou os círculos operários e socialistas na Europa. Naquela época tratava-se de fixar o 1º de maio como data internacional a ser comemorada em todos os países.
Mas naquele ano os socialistas alemães resolveram que comemorariam o 1º de maio (que caía em uma sexta-feira) no dia 3 de maio, um domingo.
As razões alegadas por eles foram práticas, porque naquela época, o 1º de maio não sendo feriado, sua comemoração implicava em faltar ao trabalho e em perdas salariais e produziria confrontos indesejados com a polícia e a repressão patronal.
Frederico Engels, o grande conselheiro dos socialistas, aprovou a ideia e polemizou em cartas com Paulo Lafargue dirigente francês e genro de Carlos Marx que insistia no caráter simbólico da manifestação simultânea no dia 1º de maio. Para Engels, a obediência estrita naquele ano à data resultava no esgotamento das forças financeiras dos sindicatos alemães e, como consequência, em um desencorajamento geral. “Confesse que sairia muito caro manter o efeito teatral da demonstração simultânea”, diz ele em carta de 10 de fevereiro.
Os alemães manifestaram no domingo, mas a data do 1º de maio passou a ser na história a data universal de comemoração do Dia do Trabalhador e um marco na luta pela jornada de trabalho de oito horas diárias.
(Ler a reedição, com o patrocínio das centrais sindicais e de 30 outras entidades, do livro de José Luiz Del Roio – 1º de maio – sua origem, seu significado, suas lutas, de 2016.)
Apresento hoje em minha coluna essa informação adicional porque em 2017, para nós brasileiros, embora se mantenham as comemorações no feriado do 1º de maio (em particular as já tradicionais concentrações da Força Sindical na Praça Campo de Bagatelle), o verdadeiro significado histórico das lutas do 1º de maio se encarna no dia 28 de abril (por coincidência também uma sexta-feira como o 1º de maio em 1891), dia do “nenhum direito a menos”.
O 28 de abril deverá se inscrever na lista das efemérides históricas dos trabalhadores brasileiros como o 21 de abril, dia de Tiradentes e do metalúrgico, como o 21 de julho de 1983, dia da grande greve geral e o próprio 1º de maio.
João Guilherme Vargas Netto, consultor sindical
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