Opinião - O longo ano de 2017
As questões colocadas na agenda dos debates deliberativos do Congresso Nacional e dos encaminhamentos do Poder Executivo são iniciativas complexas do Governo Federal, que terão múltiplos impactos sobre a vida das pessoas e as bases do desenvolvimento econômico, social e ambiental do Brasil. Será um longo ano e um tempo curto para as lutas.
O desemprego crescerá porque a economia continuará patinando, o que dramaticamente compromete a vida dos trabalhadores e a perspectiva geral do desenvolvimento. Por isso, a centralidade da luta pelo emprego, o que requer uma visão estratégica de como retomar e sustentar o crescimento econômico nacional e soberano.
As escolhas dos caminhos para o desenvolvimento de uma das maiores economias do planeta envolvem múltiplos e poderosos interesses, em um jogo do "vale-tudo". A democracia é uma construção política para colocar limites a esse jogo e, com regras, fazer as escolhas a partir do debate público e com participação social. Defendê-la será uma grande tarefa neste ano.
O desenvolvimento nacional soberano é resultado de muitas relações que materializam o que somos capazes de criar e produzir nesse território, com o nosso povo, e de como cooperamos com os demais países. Nossa soberania depende da existência real de empresas nacionais capazes de produzirem em condições competitivas mundialmente; de um mercado interno de consumo robusto, sustentado por empregos e salários de qualidade; e por uma forte capacidade de investimento. Todas essas frentes estão fragilizadas e precisam ser recuperadas.
Contudo, o governo encaminha a venda do Brasil e da nossa soberania. Os compradores, ávidos pelas riquezas do mundo, já afirmaram: o Brasil está barato! Querem, entretanto, garantias para suas compras. Quais? As clássicas: garantia de propriedade, de contratos com regras vantajosas, de financiamento, de lucro sem imposto etc.. Exigem também quatro grandes reformas: o fim de reservas e limites aos estrangeiros para acesso a minérios (petróleo, inclusive), terras, mercado (aéreo, bancário etc.); limite do gasto do Estado, já aprovado no Congresso e em vigor por 20 anos; reformas da Previdência e trabalhista e regulamentação da terceirização (PL 4.302), que promovam o efetivo controle do custo do trabalho, em pauta no Congresso a partir de hoje para serem votadas neste ano.
O nosso desenvolvimento soberano exige, sem dúvida, muitas e difíceis reformas e mudanças, inclusive em muitos dos temas acima, mas também em muitos outros. Todavia, as mudanças devem ser no sentido de promover transformações na nossa estrutura produtiva para gerar crescimento dos empregos de qualidade, aumento dos salários, diminuição significativa das desigualdades etc.. As regras e iniciativas devem favorecer para que esse objetivo seja construído por uma efetiva e forte capacidade produtiva nacional, integrada e cooperando de forma soberana com o mundo.
Há muita confusão e muita desinformação difundidas propositalmente. Cada tema mobiliza poderosos interesses e envolve inúmeras possibilidades de mudanças que exigirão difíceis escolhas estratégicas. Para que isso seja feito de maneira consciente e compromissada com as dificuldades do presente, com os desafios do futuro e com as nossas reais e potenciais possibilidades, é preciso que o debate e as escolhas estejam lastreados nos legítimos espaços democráticos.
Nosso desafio é percorrer 2017 lutando para que nossa esperança de sermos um país desenvolvido não seja destruída ou vendida. Não será fácil, mas quando a vida foi fácil para os trabalhadores? Nós crescemos na adversidade. É hora de, como sempre, ir à luta. Avante!
Clemente Ganz Lúcio é sociólogo e diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)
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Opinião - Por que tentam esconder o 15 de março
Allen Habert*
A mídia televisiva na noite de 15 de março escondeu e desinformou sobre o que aconteceu neste dia histórico no Brasil. Normal, dirão alguns. Mas uma das pistas é a orientação que receberam dos patrocinadores assíduos e permanentes de cada um dos telejornais de todos os canais de TV e dos noticiários de rádios, que são os bancos.
O sistema financeiro, que financia fortemente os políticos, é o maior fomentador e beneficiário da extinção e enfraquecimento da seguridade pública. O governo federal e parcela grande do Congresso Nacional hoje trabalham diariamente por essa entrega aos bancos privados.
A Previdência Social representa 14% do Produto Interno Bruto (PIB) do País. É isso que estamos enfrentando. O descarado e entreguista governo federal, deputados e senadores são presas, serviçais desses interesses poderosos bem camuflados e sofisticados.
É mais uma rodada de fortalecimento da burguesia financeira (nacional e internacional) em relação às outras – industrial, agrária e comercial.
No centro da batalha está o nosso desafio: resistir e contra-atacar essa investida planejada, ousada e extremamente cruel do sistema financeiro. Cruel, pois vai ampliar a desigualdade e aumentar a pobreza e miséria no território brasileiro.
A jornada unitária e vitoriosa do dia 15 de março levou os movimentos organizados em todos os cantos do País a darem as mãos à maioria da população, que desperta de sua perplexidade do quadro político dos últimos anos.
A sociedade, mesmo não entrando diretamente em massa nas manifestações, demonstrou simpatia, alinhamento emocional e político à resistência aguerrida em defesa dos seus direitos e do seu futuro. A caminhada virtuosa foi iniciada.
Parabéns a todos e todas que teceram esta manhã.
Allen Habert é diretor de Articulação Nacional da CNTU
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Opinião - Irrelevância sindical
Pelos meus cálculos, o número de leitores regulares de jornal impresso no Brasil oscila em torno de 5 milhões; o número de filiados aos partidos políticos é de 12 milhões, e o total de sindicalizados ultrapassa os 18 milhões.
Levando-se em conta as diferentes bases para comparação, o número de leitores regulares de jornal impresso corresponde a 5% dos adultos letrados, os filiados a partidos são 12% do eleitorado, e os sindicalizados são 18% da população economicamente ativa (arredondei, grosseiramente, as três bases comparadas em 100 milhões de brasileiros).
Esses índices quantificam e simbolizam os pilares da construção democrática de uma sociedade avançada: a liberdade de expressão, com a leitura do jornal impresso (que para Hegel era a oração da manhã do homem moderno), a liberdade política, com a existência de partidos (essenciais no nosso ordenamento constitucional) e a liberdade sindical, com a representação dos trabalhadores pelos sindicatos (através das categorias e com unicidade na base).
Os números torturados acima revelam que, dos três pilares, o mais forte e o mais expressivo quantitativamente é o da representação sindical.
Ao longo dos anos da democratização e principalmente depois da Constituição de 1988, o papel dos sindicatos na sociedade tem sido crescente, em especial nas conjunturas econômicas favoráveis. O maior feito do movimento sindical, que atesta a sua relevância, foi a conquista da política de valorização real e acelerada do salário mínimo, cuja depreciação marcava a trajetória de sua série histórica, até mesmo na primeira década e meia do regime democrático.
O papel do sindicalismo, comparado às duas outras institucionalidades (comunicação e política) e em termos absolutos tem sido relevante, e não só numericamente.
Um dos efeitos da grave recessão e da derrota sindical associada ao impedimento presidencial é a contestação histórica dessa relevância. O movimento sindical, se dividido e incapaz de resistir eficazmente, tornar-se-á (apelo à mesóclise presidencial) irrelevante, um elefante sem osso. É isso que pretendem obter, estrategicamente, nossos adversários e inimigos.
Um alerta preocupante sobre essa possibilidade foi, na última sexta-feira e no sábado, a completa ausência da presença sindical – orientadora, auxiliadora, vigilante e solidária – durante a verdadeira avalanche de mais de 5 milhões de brasileiros que buscavam resgatar suas contas inativas do FGTS. Uma ausência estarrecedora, qualquer que seja a envergonhada explicação para isso.
Quando nos concentramos na organização das manifestações do dia 15 de março e trabalhamos para seu êxito, estamos procurando também contrariar essa tendência funesta à irrelevância sindical.
João Guilherme Vargas Netto é analista político e consultor sindical
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Opinião - Batalha do emprego e do desenvolvimento
Nesta quarta-feira, 15 de março, haverá a maior mobilização cívica e cidadã dos últimos tempos em cada uma das capitais e cidades deste continente Brasil.É a história dando um salto.
1) Esta jornada histórica e unitária vai derrotar e enterrar a proposta perversa de contrarreforma e desmonte da Previdência Social e dos direitos trabalhistas no Congresso Nacional. Vai simbolizar uma etapa singular na luta democrática.
2) Os prefeitos e câmaras de vereadores de todas as 5.670 cidades, as associações comerciais e industriais, os trabalhadores urbanos e rurais, o movimento sindical, os profissionais universitários, os movimentos sociais, dos jovens, das mulheres e dos idosos iniciam um processo irreversível de empoderamento social.
3) Cada um de nós tem um papel a cumprir onde estiver. Isso vai valer a pena, preparando o espírito de nosso povo para a grande batalha do emprego e do desenvolvimento.
4) Vamos às ruas com os corações guerreiros e a mentes lúcidas nos unir por essa grande campanha da soberania social.
Vamos ganhar e avançar.
Vai ser um movimento pacífico e emocionante. A contra-informação da mídia nao vai pegar. Não serão milhões, serão milhares espalhados. Os trabalhadores mais atentos e o povão (mais lentamente) já sacaram.
Allen Habert é diretor do SEESP e diretor de Articulação Nacional da Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU)
Opinião - Vigiar e orar
As possibilidades de erro na construção são muito grandes, porque há dois canteiros de obra com projetos diferentes, as fundações dos terrenos são muito desfavoráveis e inseguras e, no fim das contas, o engenheiro responsável pode ou não referendar o laudo final.
Com essa comparação quero me referir ao acordo em curso no Congresso Nacional para votar os projetos de lei da terceirização. Vota-se na Câmara o texto que veio do Senado e vota-se no Senado o texto que tinha vindo da Câmara. Os presidentes das Casas comprometem-se, com as aprovações, a garantir que o presidente Temer vete aqueles artigos (em cada um dos projetos) que não forem aceitos de modo consensual pelas direções sindicais dos trabalhadores e pelos empresários.
Esse Frankenstein legislativo (que, diga-se de passagem, parece que foi fabricado também na lei de repatriação) pode ou não dar certo e pode ou não, como na história original, voltar-se contra os criadores e... o que é pior, contra os trabalhadores.
Assim como elogio formalmente o empenho unitário e a presteza das direções das centrais ao barrar a pressa legislativa de Rodrigo Maia e conseguir o adiamento de uma votação intempestiva, insisto que é preciso agora vigiar e orar, porque nada está ganho, muito pelo contrário.
A artificialidade da solução – que pode ter sido útil para o acordo do adiamento da votação – precisa ser controlada com nossa intervenção e vigilância para que não aconteça o pior, qual seja, as aprovações simultâneas que, somadas, podem resultar no desiderato dos empresários (terceirização ilimitada sem distinção entre atividade-fim e atividade-meio, sem responsabilidade solidária e sem garantia de representação sindical) e a nossa corresponsabilidade em uma solução lesiva aos trabalhadores.
Não é desprovida de malícia a liderança governista quando assinala que a solução do imbróglio da terceirização é um teste para aferir as disposições da base de sustentação do governo nas reformas previdenciária e trabalhista.
Mas, como observa a arguta jornalista política Maria Cristina Fernandes, se acontecer o pior nas votações da terceirização, nem é preciso que se vote a reforma trabalhista pretendida.
João Guilherme Vargas Netto é analista político e consultor sindical
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