Brigar com os números
Que alguém, muito alienado, não reconheça os efeitos daninhos da PEC 241 sobre a vida da sociedade, em benefício dos rentistas, isso pode ser admitido. Mas, brigar com os números que medem estes efeitos, isto é uma idiotice completa.
Recentemente dois institutos de grande renome, a FGV e o IPEA fizeram isto, procurando desautorizar técnicos que haviam calculado alguns resultados da PEC.
No primeiro caso, Bráulio Borges, da FGV, demonstrou que se a PEC vigorasse desde 1998 o valor atual do salário mínimo seria de 400 reais, o que ensejou matéria paga estrambótica da FGV.
No outro, a economista do IPEA, Fabíola Sulpino Vieira, pressionada pela presidência do órgão, pediu exoneração após demonstrar que nos próximos 20 anos a saúde perderá 743 bilhões de reais com a vigência da PEC.
Esses fatos são graves e demonstram a intransigência das direções de órgãos que deveriam primar por suas informações técnicas não comprometidas pelos proselitismos do momento; preferiram a ordem unida e a subserviência interesseira.
Melhor fez o presidente da República ao admitir a possibilidade de revisão da PEC passados quatro anos, o que diz muito da gravidade previsível de seus efeitos.
Para o movimento sindical ficam duas lições, além da necessária solidariedade aos técnicos: os efeitos da PEC se farão sentir restritivamente sobre a política de aumento do salário mínimo e a resistência contra os efeitos da PEC deve ser somada à resistência contra a quebra dos direitos previdenciários, a próxima grande batalha.
O movimento sindical isolado não dará conta da tarefa; ao mesmo tempo em que reforça sua unidade (evitando as tentações voluntaristas, divisionistas e captulacionistas) o movimento sindical deve buscar aliados para a resistência que os trabalhadores exigem.
João Guilherme Vargas Netto é analista político e consultor sindical
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Lei de Procusto
Procusto era um mitológico bandido grego que obrigava os viajantes assaltados a se deitarem em uma cama pequena e amputava as partes de seus corpos que a excediam.
A PEC 241, ou PEC dos gastos públicos, recentemente aprovada pela Câmara dos Deputados em primeira votação, é um verdadeiro leito de Procusto para toda a sociedade brasileira que, durante 20 anos, verá diminuída a participação do Estado nas despesas sociais e de educação, saúde, segurança, investimento e pessoal qualificado, deixando crescer livremente apenas as despesas financeiras com os juros da dívida, abocanhadas pelos rentistas.
Além do faustoso jantar oferecido pelo presidente da República com a finalidade de arrebanhar deputados pela sua aprovação, a PEC 241 mereceu o apoio unânime do empresariado brasileiro que, com sucessivas e enormes matérias publicitárias (pagas certamente pelas gordas verbas do sistema S) acomodou-se no fatídico leito, pronto a sofrer a decepação criminosa em seus interesses produtivistas.
O movimento sindical dos trabalhadores do setor privado da economia (acossado pela feroz recessão e enfrentando difíceis campanhas salariais) reagiu debilmente a esta investida mutilatória e os companheiros do setor público, representados por suas entidades, amargaram a acusação hipócrita de corporativistas ao defenderem seus dedos e os anéis.
Neste clima de certezas negativas, com a mídia a todo vapor editando, festiva, a votação da Câmara nos cadernos de economia, alguém pensa que no apertado leito de Procusto serão poupados os braços da previdência social e as pernas do salário mínimo? O pior das consequências, como dizem os portugueses, é que elas vêm depois.
Para melhor organizar o esquartejamento, o governo adiou (pela segunda vez) a reunião que havia convocado com as centrais sindicais sobre a reforma previdenciária, agora postergada para depois do segundo turno das eleições municipais ou sine die.
É importante e resulta do bom senso que as direções sindicais reforcem suas mobilizações unitárias de resistência, como as preparadas pelo setor de transporte para os dias 10 e 11 de novembro.
João Guilherme Vargas Netto é analista político e consultor sindical
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