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13/06/17

Opinião - As duas formas de sair do Acordo de Paris: a espetaculosa e a sorrateira

Luiz Marques

Quais são as consequências para as mudanças climáticas globais da saída espetaculosa dos Estados Unidos (EUA) do Acordo de Paris? Segundo o Banco Mundial, em 2012, os EUA emitiram 6,3 GtCO2-eq (bilhões de toneladas de gases de efeito estufa, ou GEE, expressos em termos equivalentes ao potencial de aquecimento global do CO2). A meta firmada por Obama no âmbito desse Acordo era reduzi-las em 2025 em 26% a 28% em relação ao nível de 2005. Isso implicaria emitir 5,3 GtCO2-eq em 2025. Tal redução era admitidamente irrealista [I], mesmo se o Clean Power Plan de Obama tivesse sido desbloqueado pela Suprema Corte. Sem o Clean Power Plan, os EUA devem emitir 6,9 GtCO2-eq, um aumento significativo em relação a 2012.

Provavelmente, sob Trump e com os combustíveis fósseis agora à rédea solta, esse aumento será ainda maior. O cenário atual, pós-EUA, implica um aquecimento global da ordem de 0,1º C a 0,3º C, além do aumento esperado de cerca de 3º C a 4º C até o fim do século em relação ao período pré-industrial. Isso, naturalmente, se todos os demais países, cumprirem à risca o prometido [II].

Ocorre que não é preciso ser profeta para perceber desde já que as metas de redução das emissões de GEE até 2025 e 2030, que constituem o essencial do Acordo de Paris, não serão honradas por diversos países, tal como não o foram as metas do Protocolo de Kyoto. Há duas formas de sair do Acordo de Paris. A bombástica de Donald Trump e a sorrateira, que consiste em não recusar formalmente o Acordo, mas simplesmente não o cumprir, o que, de resto, não acarreta sanções. Importa aqui examinar o comportamento dos grandes emissores. Segundo o Climate Analysis Indicator Tool (CAIT) do World Resources Institute [III], apenas a China, os EUA e a União Europeia são responsáveis por mais da metade das emissões globais de CO2-eq, ao passo que, no outro extremo, 100 países respondem por apenas 3,5% dessas emissões. Eis os 13 países responsáveis por cerca de 76% das emissões globais (em GtCO2-eq):


Sem alarde, sem os jogos de cena de Trump, ao menos quatro países parecem estar saindo silenciosamente do Acordo de Paris. A Rússia nem sequer o ratificou e Putin declarou recentemente que não pretende fazê-lo antes de 2019. O fato de não ter criticado Trump confirma que o Acordo é a última de suas prioridades. Em outubro de 2016, o Canadá ratificou o Acordo. Mas não tem intenção de diminuir a exploração de seus recursos petrolíferos. Um mês depois, em 29 de novembro, seu primeiro-ministro, Justin Trudeau, aprovou a construção de mais dois oleodutos, que aumentarão a capacidade do país de exportar betume em 1 milhão de barris por dia [IV]. Trudeau declarou na reunião da indústria do petróleo em Houston (CERAWeek) em fevereiro de 2017: “Nenhum país encontraria 173 bilhões de barris de petróleo em seu subsolo e os deixaria intocados” [V]. Foi, naturalmente, ovacionado.

A Austrália assinou o Acordo em novembro de 2016, com o compromisso de reduzir suas emissões em 26% a 28% em relação ao nível de 2005 até 2030. Mas em abril de 2017, seu primeiro-ministro, Malcolm Turnbull, garantiu apoio de USD 1 bilhão à ferrovia para o carvão de Queensland, a ser construída por Gautam Adani, o famoso bilionário indiano. Além disso, suas emissões de CO2 subiram 1,54 milhão de toneladas no primeiro trimestre de 2017, por causa de geração de energia a partir de termelétricas movidas a carvão. Esse aumento “continua uma tendência de emissões nacionais crescentes iniciada em 2014 e que deve continuar por décadas, segundo modelagens do próprio governo” [VI].

Chegamos enfim ao Brasil. Como se sabe, e como se pode ler no site do Ministério do Meio Ambiente, “o Brasil se comprometeu a promover uma redução das suas emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025. Além disso, indicou uma contribuição indicativa subsequente de redução de 43% abaixo dos níveis de emissão de 2005, em 2030”. Tudo leva a crer, contudo, que o Brasil não cumprirá esse compromisso. Em primeiro lugar porque, na realidade, está transitando em direção aos combustíveis fósseis, como mostra o gráfico abaixo:

Entre 2005 e 2015, o país aumentou em 27% sua geração hidráulica, mas quase dobrou (de 20 para 38 GW) sua geração de energia a partir de termelétricas. Mais importante: duas das medidas incluídas no compromisso brasileiro eram restaurar, regenerar e replantar 12 milhões de hectares de florestas até 2030 e zerar o desmatamento ilegal em todo o país até 2025. Essa segunda promessa tem algo de absurdo. Como bem lembrou Brenda Brito, do Imazon, “prometer desmatamento ilegal zero na Amazônia para 2025 significa dizer (...) que vamos tolerar ilegalidade por mais uma década. Pior ainda, o governo silencia sobre o avanço do desmatamento nos outros biomas, principalmente no cerrado”.

Nenhum governo promete que sua lei será cumprida... no futuro. E, de fato, não há uma palavra sobre o Cerrado no INDC brasileiro. Sobretudo, o desmatamento ilegal não parece estar diminuindo nem na Amazônia. A JBS, por exemplo, acaba de ser flagrada pelo Reporter Brasil (em associação com o The Guardian) comprando carne de fazendas com trabalho escravo e desmatamento ilegal [VII]. E embora ainda não sancionadas por Temer, “as Medidas Provisórias (MPs) 756/2016 e 758/2016 já estão estimulando novas invasões de florestas protegidas, na região da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), no sudoeste do Pará” [VIII].

A restauração de 12 milhões de hectares de florestas, estipulada pelo Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), equivale a menos de um sexto da área desmatada por corte raso na Amazônia desde 1970. Essa meta, modesta e insuficiente, tem um custo estimado entre R$ 31 bilhões e R$ 52 bilhões, a serem gastos nos próximos 12 anos e meio [IX].

Pouquíssimo, se levarmos em conta que o Plano Safra – o crédito à agropecuária – deve chegar a R$ 190 bilhões para o período 2017/2018. E como parte substancial desse Plano Safra será destinado ao aumento dos rebanhos, podemos contar com um aumento significativo das emissões de metano por fermentação entérica do gado. Como visto acima, quase a metade das emissões do país advém da agropecuária. Portanto, salvo surpresa nas próximas eleições, o Brasil está saindo sorrateiramente do Acordo de Paris.


[I] Cf. Jasmine C. Lee, Adam Pearce, “How Trump Can Influence Climate Change”. The New York Times , 08/XII/2016

[II] Cf. Oliver Milman, “Paris climate deal: frutrated world leaders prepare to move on without US”. The Guardian, 1/VI/2017.

[III] Veja-se www.wri.org/blog/2015/06/infographic-what-do-your-countrys-emissions-look

[IV] Cf. Andy Skuces, “Justin Trudeau approves two big oil sands pipeline expansions”. 1/XII/2016

[V] Citado por Bill McKibben, “Stop swooning over Justin Trudeau. The man is a disaster for the planet”. The Guardian, 17/II/2017: “No country would find 173bn barrels of oil in the ground and just leave them there.”

[VI] Cf. Michael Slezak e Nick Evershed, "Australia’s carbon emissions rise in off-season for first time in a decade”. The Guardian, 7/VI/2017.

[VII] Cf. “JBS comprou de fazendas flagradas com trabalho escravo e desmatamento ilegal”. Amazônia, 7/VI/2017.

[VIII] Cf. “MPs já estimulam destruição de florestas protegidas no Pará”. Amazônia, 6/VI/2017.

[IX] “Meta de recuperar floresta custa até R$ 52 bi”.Observatório do Clima

 

Luiz Marques é professor livre-docente do Departamento de História do IFCH /Unicamp. Pela editora da Unicamp, publicou Giorgio Vasari, Vida de Michelangelo (1568), 2011 e Capitalismo e Colapso ambiental, 2015, 2a edição, 2016. Coordena a coleção Palavra da Arte, dedicada às fontes da historiografia artística, e participa com outros colegas do coletivo Crisálida, Crises SocioAmbientais Labor Interdisciplinar Debate & Atualização (crisalida.eco.br).



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