Balanços da Rio + 20
Sociedade civil global não está contemplada no documento oficial gerado pela Rio +20, diz ONG internacional. A liderança do Brasil foi essencial para consenso internacional e a criação de um fórum na ONU para
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, foi encerrada na sexta feira (22), por volta das 15h, com a divulgação do documento final, contendo 49 páginas, denominado O Futuro Que Queremos. O balanço dos dez dias de discussões divide opiniões. Autoridades brasileiras consideram um avanço a inclusão do desenvolvimento sustentável com erradicação da pobreza, enquanto movimentos sociais e alguns líderes estrangeiros condenam a falta de ousadia do texto.
O tom de crítica predominou na sexta feira, pois as organizações não governamentais (ONGs) que promoveram vários protestos durante a conferência. Em uma manifestação foi apresentado um balanço das discussões e recomendações apresentadas no texto final a ser aprovado pelos chefes de Estado e Governo.
O chefe da delegação do Brasil na Rio+20, embaixador André Corrêa do Lago, reiterou que o saldo da conferência é positivo. “O principal saldo foi fazer com que o desenvolvimento sustentável se transforme em paradigma em todos seus aspectos - social, ambiental e econômico”, disse.
Porém, para as ONGs, faltou ousadia por parte das autoridades na exigência de definições claras sobre responsabilidades específicas, repasses financeiros, discriminação de prazos para a adoção de medidas e a ampliação de poderes do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
“Queremos um modelo econômico diferente, um futuro sustentável e isso não aconteceu aqui. Nosso sentimento é de profunda tristeza e frustração. As pessoas sem emprego no mundo, por exemplo, não têm nenhuma garantia de melhora, de que os líderes globais vão trabalhar por soluções” disse a porta voz de uma ONG que pretende iniciar uma mobilização internacional dos trabalhadores para pressionar seus governos e cobrar alternativas de desenvolvimento. Segundo Sharan Burrow, secretária-geral da International Trade Union Confederation, instituição que representa 175 milhões de trabalhadores de mais de 150 países, o documento final da conferência não contempla os interesses das populações vulneráveis, não tem metas concretas, nem prazos de implementação.
Representantes da sociedade civil que se reuniram com o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, disseram estar decepcionados com os resultados da Rio+20. Na avaliação da organização Amigos da Terra Internacional, uma das maiores organizações ambientalistas de base do mundo, o documento oficial da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, é “um atentado aos povos, porque é um documento vazio, sem alma e sem compromissos concretos com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável”, disse a representante da rede, Lúcia Ortiz.
Para a ativista, é gritante a falta de compromisso dos chefes de Estado e de Governo para com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável “em um momento em que se necessita, de fato, de medidas urgentes para que os governos possam prevenir e mudar os rumos que a humanidade está tomando”.
Segundo ela, há toda uma preocupação com a questão da promoção da justiça climática, da perda da biodiversidade e da contaminação dos oceanos. “O que a gente vê é a elaboração de um documento que ainda abre portas para a mercantilização dos bens comuns, sejam eles o ar, a biodiversidade e a água, ou mesmo a comunicação ou as diversidades culturais, que também estão sendo mercantilizadas em um processo onde a política está sendo substituída pela 'financeirização'”.
No entendimento da ativista, mesmo com o texto não explicitando tanto quanto esperavam os países industrializados e as grandes corporações o sentido da promoção de “uma falsa economia verde”, ainda assim, ficou claro que “mais importante que uma decisão sobre o meio ambiente na Rio+20 foi a indicação do grupo do G20 [formada pelas maiores economias mundiais] e dos poderosos, de que continuarão a fazer empréstimos para salvar os bancos europeus e a gerar para esses bancos em crise novas oportunidades de negócios, que se traduzirão em especulação, em novas bolhas financeiras – como seria a bolha da economia verde”.
Lúcia Ortiz ressaltou que os participantes da Cúpula dos Povos têm plena consciência de que, em parte, “derrotaram os poderosos ao enfraquecer a agenda da economia verde e mudar a correlação de forças, ao chamar a atenção para a necessidade de que a voz povo venha a ser escutada, e não só a das grandes corporações”.
O diretor executivo do Greenpeace Internacional, Kumi Naidoo, destacou a diferença entre os resultados da conferência das Nações Unidas e da Cúpula dos Povos, evento paralelo que reúne representantes da sociedade civil num contraponto ao encontro dos líderes globais. Ele defendeu que é preciso pensar e agir além dos interesses nacionais.
“Na Cúpula dos Povos você vê gente de todos os países, indígenas, religiosos, representantes de sindicatos, dos movimentos das mulheres, mas transcendemos a fixação pelo nacional, porque sabemos que não vamos resolver as coisas dessa forma. Ao contrário, os líderes mundiais estão obcecados pelos interesses nacionais, de curto prazo.”
Naidoo também criticou a ausência de negociações entre os chefes de Estado e de Governo durante a conferência. Segundo o diretor executivo do Greenpeace Internacional, eles vieram ao Rio para “posar para fotos e anunciar projetos” e aceitaram um texto produzido por “burocratas”.
“Eles ficaram aqui três dias e não gastaram nem uma hora negociando entre si. Usaram essa oportunidade para anunciar projetos e iniciativas e para tirar fotos. Entendemos as enormes dificuldades das negociações, mas eles tinham sobre a mesa um texto sem substância e deveriam ter trabalhado duro”, disse.
A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, disse que a liderança brasileira permitiu que todos os países se reunissem em torno de um documento final, que será assinado pelos líderes de 193 países reunidos no Rio de Janeiro, “marca um grande avanço para o desenvolvimento sustentável”.
“Esse é um momento difícil, mas graças à liderança brasileira conseguimos nos reunir em torno de um documento final, que marca um grande avanço para o desenvolvimento sustentável. É um dos momentos mais difíceis de todos os tempos. Como vamos crescer no futuro, não é o problema de apenas alguns países, é uma questão que deve ser abordada por todos os países. Graças ao Brasil, estamos no centro dos nossos esforços compartilhados para encontrarmos essas soluções”, disse Clinton, em discurso na plenária da Rio+20.
Segundo ela, o documento não trata de questões de longo prazo, mas de ações que precisam ser tomadas imediatamente. A chanceler americana disse que é preciso haver um trabalho conjunto para combater a fome crônica. “Essa é uma área em que o Brasil apresenta uma liderança especial”, disse.
Clinton disse que esse é um momento de ser pragmático e otimista. “Um futuro onde todos os povos vão se beneficiar do desenvolvimento sustentável, independentemente de quem são e onde estão, está ao nosso alcance. Sabemos o que podemos fazer, mas também sabemos que o futuro não é uma garantia. Os recursos de que todos nós dependemos, água limpa, oceanos, terras aráveis, ambiente estável, estão sob pressão crescente. É por isso que, no século 21, o único desenvolvimento viável é o desenvolvimento sustentável.” Os Estados Unidos são acusados de não endossar nem colocar em prática acordos internacionais importantes para prevenir mudanças climáticas, como o Protocolo de Kyoto, que estabelecia metas para reduzir a emissão de poluentes pelos países industrializados.
No Riocentro, local das discussões políticas, os protestos foram mais discretos do que os que dominaram as ruas do Rio de Janeiro. No entanto, houve uma exceção. Em frente ao Pavilhão 5, destinado às reuniões dos chefes de Estado e Governo, além dos ministros, o gaúcho Aristide Souza Maltoni Júnior fez uma manifestação solitária ontem em protesto ao que chamou de “metas pouco concretas” da Rio+20. O manifestante gritava palavras de ordem para chamar a atenção das autoridades.
As discussões mostraram ainda que as divergências econômicas estão presentes também nos debates políticos e ambientais. Os negociadores dos países desenvolvidos e em desenvolvimento entraram em vários conflitos, principalmente os que envolviam recursos. A União Africana (formada por 54 países) foi um dos blocos que mais reagiram às restrições impostas pelos países desenvolvidos.
“Não há um grupo de negociadores que tenha admitido ganhar em tudo. O Brasil conduziu muito bem os temas divergentes. Depois, chegamos a um acordo e agora temos um caminho. Mas o documento ainda é muito grande”, disse o ministro do Desenvolvimento, Economia Florestal e Meio Ambiente do Congo, Henri Djombo.
Paralelamente, os líderes políticos estrangeiros discursavam na sessão plenária e debatiam o conteúdo do documento final. O texto ratifica que os temas polêmicos e sem consenso ficarão para uma próxima cúpula. Os aspectos sociais são destacados, ressaltando o esforço conjunto para a erradicação da pobreza, a melhoria na qualidade de vida e o homem no centro das preocupações.
O documento tem 49 páginas, menos uma em relação à versão anterior, sendo que inicialmente o texto chegou a ter 200 páginas. O documento está dividido em seis capítulos e 283 itens. Os capítulos mais relevantes são os que tratam de financiamentos e meios de implementação (relacionados às metas e compromissos que devem ser cumpridos).
Ao antecipar o balanço sobre os resultados da Conferência a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse que a criação de um fórum de alto nível sobre desenvolvimento sustentável na Organização das Nações Unidas (ONU) gera a expectativa de que o tema será tratado com maior relevância e comprometimento.
Atualmente, o tema é discutido na Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU, criada a partir de uma demanda da Rio92. Nos últimos dias, representantes de vários países questionaram os legados do encontro, que ocorreu há vinte anos, apontando inclusive os baixos resultados alcançados por esse órgão. A decisão da Rio+20 é a de que o debate sobre desenvolvimento sustentável seja empoderado, passando a ser discutido por esferas mais altas dos governos.
“A comissão [de Desenvolvimento Sustentável da ONU] se revelou insuficiente para a coordenação do desenvolvimento sustentável. Esperamos que o fórum de alto nível seja responsável pela avaliação e implementação dessas metas, mas também traga o debate para a centralidade da geopolítica internacional e do multilateralismo”, disse a ministra.
Izabella Teixeira lembrou que a Rio+20 foi realizada em um cenário de multilateralismo, no qual os países assumiram compromissos novos e comuns. “É difícil construir consensos. O processo é complexo, porque precisamos falar e aprender a ouvir. O consenso alcançado na Rio+20 é global, mas não quer dizer que cada país não possa fazer mais do que o colocado aqui. Todos temos responsabilidade de avançar”.
A despeito de críticas ao documento final, assinado pelos chefes de Estado e Governo no encerramento da conferência, o governo brasileiro vem argumentando que houve avanços nas negociações. A ministra Izabella Teixeira ainda ressaltou que a Rio+20 avançou em pontos estratégicos para o debate sobre um novo modelo de desenvolvimento, apesar da resistência dos representantes de países desenvolvidos em se comprometer com recursos financeiros e metas.
“O que vi foram todos os países em desenvolvimento assumindo compromissos em relação à sustentabilidade e muitos países ricos não adicionando qualquer recurso para esse processo”, disse.
Retomando a relação de avanços obtidos com a Rio+20, a ministra destacou o compromisso assumido pelos líderes dos países participantes com novos padrões de produção e consumo. O tema é apontado como um dos pontos estratégicos da agenda mundial discutida durante a conferência.
Izabella Teixeira ainda ressaltou que os negociadores conseguiram alcançar consenso em relação às métricas comuns em torno dos objetivos e metas do desenvolvimento sustentável e sobre a criação de um novo índice de avaliação do desenvolvimento dos países. “A Rio+20 determina que a ONU inicie o processo de consolidar, avaliar e sugerir novos indicadores para avaliação de desenvolvimento, para além do PIB [Produto Interno Bruto]”, lembrou.
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