O transplante que eliminou o HIV
Cientistas divulgam um caso de paciente que ficou livre do virus da Aids após receber células-tronco em tratamento para leucemia. As ircunstâncias do caso são raras, porém indicam que a Aids ainda terá cura.
Um transplante de células-tronco adultas, precursoras de células do sangue, recebido por um paciente com leucemia e Aids acabou por curá-lo não só do câncer como da infecção pelo HIV, anunciaram médicos alemães. Embora este possa ser o primeiro caso em que o vírus foi completamente eliminado do organismo, ele tem particularidades que o tornam único, alertam especialistas.
Além disso, o método é considerado muito arriscado para ser adotado como procedimento padrão, mas indica caminhos que podem ser usados para encontrar uma cura para a doença. O caso foi relatado há dois anos, mas só agora a eliminação foi confirmada.
- É interessante comprovar que medidas extraordinárias podem curar alguém com o HIV. Mas o procedimento é muito arriscado para se tornar padrão - afirma o médico Michael Saag, da Universidade de Alabama, nos EUA, e conselheiro da HIV Medicine Association.
O paciente, um americano na faixa dos 40 anos, vive em Berlim e, em 2007, recebeu um transplante feito a partir de células-tronco adultas retiradas de um doador que, além de compatível, tinha uma mutação genética que lhe conferia uma resistência natural contra o HIV. Agora, três anos depois, ele não tem sinais nem da leucemia nem do vírus.
Transplantes de células-tronco adultas têm sido usados no lugar dos tradicionais transplantes de medula óssea no tratamento da leucemia. Antes de receber o sangue, o paciente teve seu sistema imunológico completamente destruído por radiação e quimioterapia.
- As células do paciente que hospedavam o HIV foram destruídas e, ao ter seu sistema imune repovoado pelas células do doador, essas ainda por cima eram resistentes à infecção pelo vírus. Assim, o HIV não conseguiu infectar novas células e foi eliminado de seu organismo - explica o virologista Amilcar Tanure, do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ.
Para Tanure, o caso é importante por provar que é possível curar a infecção pelo HIV, além de demonstrar que o vírus só infecta células do sistema imunológico dos doentes. Segundo ele, mesmo controlado pelo coquetel de remédios dado aos pacientes com o HIV, o vírus permanece escondido no corpo, associado ao genoma de células do sistema imunológico, ressurgindo depressa se o tratamento for suspenso.
- São células como linfócitos e macrófagos que guardam memória, como no caso da imunidade conferida por vacinas - conta. - Não se sabia se a quimioterapia era capaz de matar todas elas. Além disso, havia a teoria de que o HIV podia infectar outros tipos de células do organismo que não as do sistema imunológico.
Pelo jeito, isso não é verdade. De acordo com o virologista, o método que curou o americano não é prático nem seguro o bastante para ser usado de forma ampla. Ele lembra que pessoas sem grau de parentesco têm apenas uma chance em 10 mil de serem compatíveis para o transplante de células-tronco sanguíneas.
Some-se a isso o fato de só uma em cada cem terem a mutação que dificulta a proliferação do HIV e as chances de o procedimento ser replicado caem para pelo menos uma em um milhão.
Isso sem contar que o risco de mortalidade por complicações do procedimento é de aproximadamente de 5%.
- Esse caso é muito particular. Ninguém vai ficar fazendo transplantes de células-tronco a torto e a direito para tratar o HIV - avalia. - Mas o achado abre caminho para pesquisas sobre como eliminar o HIV. Pode-se, por exemplo, desenvolver uma droga que só mate essas células latentes do sistema imunológico que abrigam o HIV. Associando ela ao tratamento antirretroviral, talvez se consiga eliminar o vírus em outros doentes. De qualquer forma, a descoberta é um alento para a comunidade científica ao mostrar não se está correndo atrás de uma miragem ao se tentar eliminar o vírus.
(César Baima, O Globo)