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21/09/16

Infância virtual interfere no desenvolvimento cognitivo, aponta pesquisa

Não é preciso ter só competência para usar as ferramentas computacionais. É preciso saber empregá-las com moderação, ainda mais quando se trata de crianças. Pesquisa da Unicamp alerta sobre excessos no uso de aparelhos eletrônicos na infância.

Foto: Página da UnicampFoto: Página da Unicamp

Escolas e pais devem organizar e limitar o tempo que as crianças interagem com o computador e com outros aparelhos eletrônicos de tela (AETs), como celulares, tablets, videogames, notebooks e televisão. Sem limites para o seu uso, as crianças deixam de brincar no mundo real e de ter uma rotina, o que interfere inclusive no ritmo de construção do seu desenvolvimento cognitivo. Essa é a recomendação da pesquisadora e pedagoga Ana Lúcia Pinto de Camargo Meneghel, em estudo de mestrado apresentado à Faculdade de Educação (FE), da Unicamp, na linha de pesquisa de Psicologia da Educação.

O trabalho indicou que as crianças estão ficando em média de quatro a seis horas em frente aos AETs. “Há autores que dizem que até seis anos a criança pode ficar só uma hora na frente dos AETs, até 12 anos duas horas e com mais idade até duas horas. Seis horas é tempo demais”, acredita ela. “A grande preocupação não seria a tecnologia, mas o que deixam de fazer: brincar, explorar e se relacionar diretamente com seus pares.”

Ana Lúcia se fundamentou na teoria do epistemólogo Jean Piaget, que em suas pesquisas comprovou que, da ação mais simples à mais sofisticada, a aquisição do conhecimento está invariavelmente ligada a ações que o sujeito realiza sobre os objetos concretos ou imaginados. Ele expressou uma grande preocupação com as crianças para a construção das estruturas do pensamento operatório concreto e das estruturas infralógicas.

O estudo da mestranda envolveu o uso dos AETs no desenvolvimento das estruturas lógicas elementares e estruturas infralógicas de espaço. “As crianças estão sempre brincando em frente a um AET, até mesmo em encontros de família, em casas que têm piscina, parque. Apesar de poderem brincar livre e espontaneamente, elas escolhem ficar em frente às telas por horas seguidas.”

As crianças não são solicitadas adequadamente a empregar materiais que envolvem o raciocínio, atividades que estimulem o desenvolvimento, para terem a oportunidade de construir conceitos e noções. A sugestão de Ana Lúcia é que a escola sugira atividades para a construção dessas estruturas, utilizando materiais concretos, a fim de que as crianças interajam com o meio físico e social, e não deixem de usar a tecnologia.

“É muito importante que professores e pais incentivem atividades que agucem a curiosidade das crianças para inventar, aprender e construir o conhecimento, sem faltar a solicitação do meio inclusive para outras opções”, percebeu a pedagoga.

Campo
Ana Lúcia avaliou 21 crianças com idade entre oito e 12 anos que estudavam em uma escola particular da Região Metropolitana de Campinas (RMC). Baseou-se em [Jean] Piaget (1896-1980), que enfatizava que todo desenvolvimento se constrói com a interação da criança com o objeto: o brincar e a relação interpessoal.

Como se dá a construção das estruturas com essa nova era virtual? Como saber se essas crianças estão construindo suas estruturas com atraso ou com avanço no que se refere às lógicas elementares e às infralógicas?

A pesquisadora, orientanda da professora da FE Orly Zucatto Mantovani de Assis, explicou que as lógicas elementares incluem os aspectos de seriação, conservação e inclusão de classe, fundamentais para aprender matemática. “Para Piaget, as crianças não nasciam inteligentes. Nasciam com condições de vir a ser inteligentes, e o seu desenvolvimento dependeria da interação com o meio. E, com base em esquemas, elas construiriam estruturas mentais para aprender por meio de experiências concretas. Quando se desenvolviam, eram capazes então de chegarem ao pensamento abstrato.”

A possibilidade de aplicar seus esquemas de ação aos objetos e acontecimentos, de modo a organizar o mundo físico e social, é limitada quando a criança passa a maior parte do tempo com os AETs, constatou a pedagoga. “O objeto de seu conhecimento certamente passa a ser o do plano virtual.”

Segundo Piaget, o organismo humano é um todo formado por três partes: as já programadas por completo (sistema respiratório, circulatório, ósseo, muscular), as pouco programadas (sistema nervoso, que amadurece com o tempo) e as nada programadas (da inteligência). Ele denominava essas estruturas de processos biológicos, que começavam a ser formadas ao nascimento, não com o surgimento da fala, como se pensava, e sim por solicitação do meio.

Mas, como fica a solicitação do meio, quando a criança vai à escola? Uma pesquisa da professora Orly enfatizava, em 1974, que crianças sem essa solicitação possuíam um atraso na cognição que podia interferir na organização do conhecimento.

A autora relatou que a criança nasce sob a vigência do período sensório-motor. Por volta dos três anos, entra no período pré-operatório. As crianças sem solicitação do meio podem ter um atraso nesse período, que é para durar entre três e sete anos. Depois disso, vem o período operatório concreto. “Minha pesquisa teria como marco o período das operações concretas, em que as estruturas lógicas matemáticas se concretizam, a partir dos sete anos, conforme Piaget.”

Mundo real
Quando a criança brinca, faz uso das operações infralógicas (noção operatória de espaço, tempo e causalidade). Embora se desenvolvam paralelamente às operações lógico-matemáticas, apresentam diferenças.

As operações infralógicas têm as seguintes propriedades: apoiam-se em objetos e figuras contínuas; dependem da proximidade espaço-temporal, da posição e distância dos objetos e das relações entre parte/todo; apoiam-se em ligações interiores dos objetos, não levando em conta as dimensões dos objetos; referem-se a objetos como tempo, velocidade, espaço, mensuração e causalidade.

Quando se diz à criança se ela cabe debaixo de uma cadeira, normalmente seria preciso entrar lá para saber e agir com o objeto. “Para construir as noções de espaço, é preciso experimentar. Não é o que está ocorrendo”, lamentou a autora do estudo.

Até o período sensório-motor, a criança age experimentando. O ritmo do desenvolvimento da construção das estruturas será rápido ou lento, dependendo das solicitações do meio em que ela vive. No pré-operatório, o que ela aprendeu nas ações, traz para o seu interior, abstraindo quando interioriza. Começa então a organizar o pensamento. Em termos de fala, a criança vinha produzindo-a. Não falava porque essa organização de pensamento não estava pronta.

Entrevista
Ana Lúcia questionou as crianças sobre quantos AETs elas tinham em casa? A resposta foi pelo menos quatro. Também perguntou se elas brincavam na rua? A resposta foi não porque os pais não deixavam, por ser perigoso. Perguntou ainda se essas crianças praticavam atividade física? Das 21 crianças avaliadas, 14 não praticavam nenhuma. Apenas sete faziam natação, de uma a duas vezes por semana.

Outras perguntas foram para conhecer a rotina fora da escola. O que as crianças faziam enquanto não estavam na escola? Muitas foram incapazes de descrever sua rotina. “E eram crianças de oito a 12 anos”, dimensionou a mestranda.

Ana Lúcia aconselhou que os professores repensem o seu trabalho, pois muitas crianças têm pais que trabalham fora e não podem acompanhá-las de tão perto. “Há um campo enorme a ser descortinado. A escola está fazendo o que para melhorar a situação? Como tem sido a solicitação do meio?”

De acordo com a mestranda, no mundo atual não há como ficar alheio à tecnologia, todavia as pessoas devem se preocupar com demandas mais importantes, como estudar, fazer a lição de casa e brincar entre pares, para a criança se constituir como pessoa. Ela deve brincar e agir. Do contrário, corre o risco de viver o mundo virtual, não o real.

Ana Lúcia ainda lembrou da pesquisa da professora da USP Zélia Ramozzi, com crianças de classe média moradoras de apartamentos sem área de lazer, cuja atividade principal até os quatro anos limitava-se a assistir televisão. Ela apontava uma dificuldade na linguagem e aprendizagem dessas crianças. “O trabalho é de 1984, mas ainda é muito atual”, salientou.


Fonte: Site da Unicamp



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