Artigo: A vitória de uma luta em defesa da Saúde e do farmacêutico, por Ronald Ferreira dos Santos*
Presidente da Fenafar descreve, em artigo, os 20 anos da luta pela Farmácia Estabelecimento de Saúde
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Há 20 anos, a iniciativa de uma Senadora da República acabou definindo uma bandeira de luta que acompanhou a categoria farmacêutico por duas décadas. Era aprovado no Senado o projeto que sob o pretexto de discutir “o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos”, atendia a uma demanda do “lobby do medicamento” e acabava com a obrigatoriedade, prevista na lei desde 1973, da presença do farmacêutico nas farmácias.
Ao nos depararmos com esse ataque à categoria, mas também às boas práticas de saúde no que diz respeito à dispensação e correta orientação ao usuário sobre o uso racional do medicamento, a Fenafar imediatamente se mobilizou para impedir que o projeto, que iria ser apreciado na Câmara dos Deputados, fosse aprovado tal qual proposto pela senadora Marluce Pinto.
Começava, ai, uma das maiores mobilizações da categoria farmacêutica no Brasil. A luta contra o PL Marluce Pinto tomou conta da agenda da Fenafar, dos sindicatos, do movimento estudantil de farmácia e também de muitos conselhos regionais de farmácia. E foi uma luta de várias dimensões: a da mobilização da categoria e estudantes como forma de manifestar aos deputados a discordância de toda a categoria com o seu teor, a da elaboração política acerca de qual o papel do farmacêutico, da farmácia e do medicamento no contexto da ações de saúde no Brasil, a da articulação política dentro do Congresso Nacional e junto com outros setores profissionais e movimentos sociais para reunir mais apoios à luta da categoria.
Pensar a profissão e a saúde
A ofensiva do setor privado que aprofundava a lógica comercial do funcionamento das farmácias era o pano de fundo da proposta que estava em debate na Câmara. Naquele momento, em meados da década de 90, o país vivia o auge da aplicação do neoliberalismo, doutrina política e econômica que pregava o Estado mínimo, reduzindo o seu papel como indutor e regulador da economia, e também como agente político e social na oferta de serviços essenciais à população.
Em todos os setores da economia o setor privado crescia exponencialmente, ao passo que murchava a presença de serviços públicos. Na saúde não foi diferente. E, uma dimensão importante – e lucrativa – dos serviços de saúde é a venda do medicamento.
Assim, quanto menor a regulação sobre os estabelecimentos farmacêuticos e sobre os medicamentos melhor para o negócio bilionário da Saúde. E assim, fazia parte desta estratégia acabar com a exigência da presença do farmacêutico, incentivar a “empurroterapia”, ampliar em larga escala a propaganda de medicamentos e aumentar os produtos em venda nas farmácia, transformando este estabelecimento em um “mercado”.
O combate a esta visão mercadológica do medicamento e da farmácia estava, então, no centro da elaboração que orientou a construção da proposta que foi conduzida pela Fenafar e que resultou no texto apresentado pelo deputado Ivan Valente como substitutivo ao PL Marluce Pinto. Nascia, ali, o conceito da Farmácia Estabelecimento de Saúde e uma campanha que mobilizou a catagoria nos anos seguintes, não só no combate ao projeto 4385/94, mas também como proposta política que fundamentou a ação da Fenafar nos debates das Conferências Nacionais de Saúde, na 1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica.
Esta elaboração colocou a profissão farmacêutica em outro patamar e se tornou referência, posteriormente, para a construção da Política Nacional de Assistência Farmacêutica.
Mobilizando em defesa do direito à saúde
A campanha da Fenafar em defesa do substitutivo do deputado Ivan Valente não era apenas da categoria farmacêutica, uma vez que ela não tinha apenas uma dimensão corporativa. Era uma luta em defesa do direito da populção a ter uma orientação correta sobre o uso do medicamento. Isso fez com que outros setores sociais se somassem a esta luta. Outras entidades da área da saúde e do movimento social se mobilizaram em torno da Farmácia Estabelecimento de Saúde.
Ao longo deste percurso, articulações intensas na Câmara dos Deputados em torno desta proposta foram conduzidas e resultaram numa importante vitória da categoria, a aprovação do substitutivo Ivan Valente em todas as comissões da Câmara pelas quais ele tramitou. O projeto chegava no início da década de 2000 pronto para ser apreciado pelo Plenário.
Mas o lobby do setor de medicamento era forte no Congresso e o projeto demorou quase 15 anos para efetivamente ser colocado em votação. Neste tempo, foram inúmeras as mobilizações realizadas em Brasília, atos, visitas à deputados e outras ações que visavam sensibilizar os parlamentares para a importância desta proposta.
Finalmente, no início de 2014, um novo passo foi dado que seria fundamental para o avanço da proposta. Com uma nova diretoria, o Conselho Federal de Farmácia teve a iniciativa de reunir as várias entidades representativas da categoria que decidiram construir o Fórum Nacional de Luta pela Valorização Profissional. As entidades pertencentes ao Fórum, entre as quais a Fenafar, definiram que a ação prioritária deveria se concentrar na luta pela aprovação da Farmácia Estabelecimento de Saúde.
Um estudo em torno da proposta em tramitação foi feito para atualizar a redação do substitutivo, que se transformou em uma subemenda aglutinativa de plenário. A nova proposta foi debatida com deputados e ganhou apoios de várias bancadas e do presidente da Câmara, o que levou, finalmente, à aprovação da proposta que transformava a Farmácia em Estabelecimento de Saúde, primeiro na Câmara, dia 02/07 e depois coroada com a votação no Senado, em 16/07.
Todo este processo de luta é uma construção coletiva e mostra que a luta e a unidade da categoria é fundamental para se obter conquistas efetivas para os farmacêuticos e para a sociedade. Em tempos de negação da política, de tentativa de esvaziamento do movimento social e sindical, de tentativa de criminalizar a ação de luta dos trabalhadores por mais direitos, esta vitória dos farmacêuticos têm um significado ainda maior – é a prova de que vale a pena lutar, porque só assim obtemos vitórias para que o Brasil seja um país mais democrático e justo.
Agora, nossa luta é para que a presidenta Dilma Rousseff sancione o projeto e o transforme em lei. No ano em que o país comemora os 10 anos da Política Nacional de Assistência Farmacêutica, o desafio colocado com a aprovação do projeto que entre nós ficou conhecido como “Farmácia Estabelecimento de Saúde” é mobilizar a sociedade para que a aplicação desta proposta seja conduzida para garantir o interesse público e integrar a farmácia a um sistema de saúde com foco no cuidado e na prevenção, valorizando o profissional farmacêutico, reduzindo os danos provenientes da automedicação.
Estamos certos de que este passo trará ganhos enormes para o Brasil.
Veja aqui uma cronologia dos principais momentos da luta pela Farmácia Estabelecimento de Saúde
01/03/1993– Senadora Marluce Pinto apresenta o PLS 41/93 – Da nova redação ao art. 15 da Lei nº 5991, de 17 de dezembro de 1973, que ´dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, e dá outras providências´. Segundo a proposta, deixa de ser obrigatória a presença do farmacêutico nas farmácias.
15/12/1993– Aprovado pelo Plenário do Senado Federal.
23/01/1994– Apresentado na Câmara dos Deputados como PL 4385/94. A Fenafar e outras entidades farmacêuticas se mobilizaram para debater com deputados e tentar reverter a posição sobre o Projeto. Conseguimos o apoio da deputada Rita Camata, que apresentou parecer contrário ao projeto na CSSF.
27/10/1995– CSSF rejeita o parecer da Deputada Rita Camata e seguiria, então, para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Temendo uma derrota, a Fenafar fez muitas articulações junto a parlamentares e conseguiu alterar a tramitação do projeto e incluir a Comissão de Defesa do Consumidor na tramitação antes de ir para a CCJ.
30/06/1994- 1º Congresso da Fenafar – aprovado várias ações contra o Projeto Marluce Pinto
27/03/1996– O PL 4385/94 é encaminhando para Comissão de Defesa do Consumidor. Na CDC foi articulado que a relatoria da proposta ficaria a cargo do deputado Ivan Valente (PT-SP).
06/1996– Grande mobilização da Fenafar, sindicatos e Enefar em Brasília contra o PL Marluce Pinto. Um abaixo assinado com mais de 80 mil assinaturas foi levado ao Congresso Nacional contra o PL Marluce Pinto.
12/03/1997– Dep. Ivan Valente apresenta seu parecer na forma de substitutivo ao PL 4385/94, fruto da formulação de qual o papel da farmácia e do farmacêutico na saúde. Surge, ai, a luta pela Farmácia Estabelecimento de Saúde.
01/10/1997– Aprovado o parecer do Deputado Ivan Valente.
18/04/2000– CCJ dá parecer favorável ao substitutivo.
06/08/2000– 3º Congresso da Fenafar aprova moção de apoio ao substitutivo do Dep. Ivan Valente.
07/2003– 1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, da qual a Fenafar foi uma importante protagonista. Participaram da comissão organizadora da conferência os ex-presidentes da Fenafar Norberto Rech e Gilda Almeida, a presidente na época, Maria Eugênia Cury e os diretores Rilke Novato Públio e Célia Chaves. A Conferência aprovou entre as suas propostas o apoio ao substitutivo do deputado Ivan Valente.
05/2004– Aprovação pelo Conselho Nacional de Saúde, através da Resolução 338, da Politica Nacional de Assistência Farmacêutica, que destaca o papel do profissional farmacêutico na prestação da AF.
08/2006– 5º Congresso da Fenafar define como um dos eixos de prioridade para a ação da Federação a retomada da ofensiva pela aprovação do substitutivo Ivan Valente.
2007– Audiências públicas em Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais foram realizadas para debater a Campanha Farmácia Estabelecimento de Saúde, com o objetivo de envolver a sociedade e ampliar o alcance do debate sobre o tema, constituindo uma rede nacional de apoiadores da proposta para fortalecer o movimento pela aprovação do substitutivo Ivan Valente.
Essa iniciativa resultou numa série de moções e solicitações aos líderes dos partidos na Câmara dos Deputados em apoio ao projeto. A diretoria da Fenafar realizou inúmeras visitas a parlamentares e fez audiências com os presidentes da Câmara.
11/06/2008– Fenafar realiza ato em Brasília em defesa da Farmácia Estabelecimento de Saúde. Farmacêuticos ocupam a Esplanada dos Ministérios. Uma comissão de farmacêuticos foi recebida pelo então Ministro José Gomes Temporão e pelo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia.
11/06/2008– No mesmo dia foi lançada a Frente Parlamentar em Defesa da Assistência Farmacêutica.
Julho/2008– A Fenafar produz um jornal mural para dar maior visibilidade à importância da aprovação do substitutivo ao PL 4385/94, que foi enviado para mais de 50 Centros Acadêmicos e cerca de 140 faculdades de farmácia de todo o país, além de ter sido amplamente distribuído nos Estados.
14/10/2008– Fenafar lança manifesto assinado por dezenas de entidades em defesa da Farmácia Estabelecimento de Saúde.
20/11/2008– Depois de toda a mobilização da Fenafar e da reunião com o presidente da Câmara, o projeto finalmente volta a tramitar e é colocado na pauta de votação do Plenário, onde recebeu emendas. Por isso, ele retornou para as Comissões da Casa. As emendas apresentadas pelo deputado Ricardo Barros (PP-RR) contrariavam a versão original do substitutivo e a luta pela Farmácia Estabelecimento de Saúde. Por isso, a Fenafar imediatamente procurou os parlamentares das comissões para solicitar que todas as emendas fossem rejeitas.
03/12/2008– Fenafar lança modelo de nota contra as emendas apresentadas ao PL e incentiva uma mobilização nacional para impedir a aprovação das mesmas.
18/02/2009– A pedido da Fenafar, a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) enviou ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, um ofício requerendo a construção de um acordo suprapartidário para a apreciação do substitutivo do Deputado Ivan Valente ao PL 4385/94.
03/09/2009– O projeto termina a sua segunda fase de tramitação nas Comissões da Câmara, tendo sido rejeitadas as emendas apresentadas pelo deputado Ricardo Barros (PP-RR) e mantida a versão original do substitutivo do deputado Ivan Valente.
07/04/2010– Fenafar realiza Café da Manhã em Brasília com parlamentares e pede apoio para a aprovação do substitutivo Ivan Valente.
12/05/2010– Fenafar organiza nova manifestação, com mais de 2 mil farmacêuticos e estudantes de farmácia, representando mais de 60 entidades, em Brasília para pressionar a Câmara a colocar o substitutivo Ivan Valente em votação. O presidente da Câmara, Michel Temer, recebe os farmacêuticos e se compromete em colocar o projeto na pauta. Também recebeu os farmacêuticos neste dia o então ministro das relações institucionais do governo, Alexandre Padilha, que também manifestou o seu apoio ao projeto dos farmacêuticos.
03/03/2011– Fenafar se reúne com o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e pede o apoio do governo para que o projeto que transforma a Farmácia em Estabelecimento de Saúde seja colocado em votação na Câmara dos Deputados.
15/03/2011– Pressão e mobilização dos farmacêuticos faz com que vários deputados encaminhem requerimento à Mesa da Câmara solicitando que o substitutivo do deputado Ivan Valente seja incluído na ordem do dia.
05 e 06/02/2014– Criado o Fórum Nacional pela Valorização Profissional que reúne a Fenafar, CFF, Enefar e outras entidades para unificar a agenda de lutas em torno das bandeiras da categoria farmacêutica.
10/03/2014– 1ª Reunião do Fórum Nacional de Luta pela Valorização profissional que define como eixo central de ação das entidades ofensiva pela aprovação ao substitutivo do deputado Ivan Valente
25/03/2014– Entidades que compõem o Fórum Nacional pela Valorização Profissional elaboram uma subemenda aglutinativa para o substitutivo ao PL 4385/94
09/04/2014– Entidades entregam no Congresso a subemenda aglutinativa.
14/05/2014– Mobilização em Brasília pela aprovação do substitutivo ao PL 4385/94
02/06/2014– Farmácia Estabelecimento de Saúde entra na pauta da Câmara dos Deputados
04/06/2014– Reunião entre entidades farmacêuticas que compõem o Fórum Nacional de Luta pela Valorização Profissional e o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves chega a um texto de acordo para ser votado no plenário da Câmara.
02/07/2014– Câmara aprova subemenda aglutinativa de plenário ao substitutivo do dep. Ivan Valente – Farmacêuticos comemoram uma passo fundamental para a vitória de uma luta de 20 anos.
16/07/2014– Senado aprova o projeto Farmácia Estabelecimento de Saúde
Ronald Ferreira dos Santos, Presidente da Fenafar
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