Artigo: Quem tem medo da agricultura ecológica? (I)
A autora contesta algumas das afirmações mais repetidas para desqualificar e desinformar sobre a agricultura ecológica, em uma série de artigos sobre os reais perigos dos agrotóxicos, o aspartame e o glutamato monossódico
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Confira a segunda parte publicada no dia 28/07/2014 e a terceira parte publicada no dia 04/08/2014
A agricultura ecológica deixa alguns bem nervosos. É o que se constata, ultimamente, na multiplicação de artigos, entrevistas, livros que tem apenas o objetivo de desprestigiar seu trabalho, desinformar sobre sua prática e desacreditar seus princípios. Trata-se de discursos cheios de falsidades que, vestidos de uma suposta independência científica para se legitimar, contam-nos as “maldades” de um modelo de agricultura e alimentação que ganha progressivamente mais apoios. No entanto, por que tanto esforço para desautorizar esta prática? Quem tem medo da agricultura ecológica?
Quando uma alternativa é bem aceita socialmente, são duas as estratégias para neutralizá-la: a cooptação e a estigmatização. A agricultura ecológica é torpedeada por ambas. Por um lado, cada vez são mais as grandes empresas e os supermercados que produzem e comercializam estes produtos para atender a um florescente nicho de mercado e “limpar” a imagem, mesmo que suas práticas não tenham nada a ver com o que este modelo defende. Seu objetivo é cooptar, comprar, subsumir e integrar esta alternativa ao modelo agroindustrial dominante, esvaziando-a de conteúdo real. Por outro lado, a estratégia do “medo” é estigmatizar, mentir e desinformar sobre a mesma, confundir a opinião pública, para assim desautorizar este modelo alternativo.
E se alguém levanta a voz em sua defesa? Sofre insultos e desqualificações. Se um cientista se posiciona contra a agricultura industrial e transgênica, é tachado de “ideológico”. Como se defender este tipo de agricultura não respondesse a uma determinada ideologia, a daqueles que se situam na órbita das multinacionais agroalimentares e biotecnológicas e que muitas vezes cobram das mesmas. Se um “não cientista” a critica, então, seu problema é que não sabe que é um ignorante. De acordo com estes, parece que só os cientistas e, em particular, aqueles que defendem seus próprios postulados, podem ter uma posição válida a respeito. Uma atitude muito respeitosa com a diferença. Outra prática habitual é qualificar quem critica de “magufo”, sinônimo depreciativo, segundo a gíria desta “elite científica”, de anticientífico. Vê-se que defender uma ciência a serviço do público e do coletivo implica em ser contra ela. Uma argumentação de loucos.
Vejamos, na sequência, algumas das afirmações mais repetidas para desqualificar e desinformar sobre a agricultura ecológica, e que ampliaremos em artigos subsequentes. Porque há quem acredita que repetir mentiras serve para construir uma “verdade”. Contra a calúnia, dados e informação.
O perigo dos agrotóxicos
“A agricultura ecológica não é mais saudável nem melhor para o meio ambiente”, dizem. Querem nos fazer acreditar que uma agricultura industrial, intensiva, que usa sistematicamente produtos químicos de síntese em sua produção, é igual a uma agricultura ecológica que prescinde dos mesmos. Incrível. Se as práticas agroecológicas emergem é precisamente como resposta a um modelo de agricultura que contamina a terra e os nossos corpos.
Há anos, a retirada e proibição de fitossanitários, agrotóxicos, utilizados na agricultura convencional foram uma constante, após se demonstrar seu impacto negativo sobre a saúde do campesinato e dos consumidores e no meio ambiente. Talvez o caso mais conhecido seja o do DDT, um inseticida utilizado para o controle de pragas desde os anos 1940 e que, devido à sua alta toxicidade ambiental e humana e pouca ou nula biodegradabilidade, foi proibido em muitos países. Em 1972, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos vetou seu uso ao considerá-lo um “potencial cancerígeno para as pessoas”. Outras agências internacionais, como o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, entre outras, denunciaram também estes efeitos. Mesmo assim, quem mantém a afirmação inicial – aqui rebatida – mostra-se ainda, e mesmo que possa surpreender partidário do DDT e o segue defendendo, apesar de todas as evidências.
No entanto, o DDT não é um caso isolado. Cada ano, produtos químicos de síntese utilizados na agricultura industrial são retirados do mercado pela Comissão Europeia. Sem ir mais longe, em 2012, o Tribunal de Grande Instância de Lyon concluiu que a intoxicação do camponês Paul François e as consequentes sequelas em sua saúde foram devidas ao uso e manipulação do herbicida Lasso, da Monsanto, que não informava nem sobre a correta utilização do produto nem sobre seus riscos sanitários. A própria Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) sentenciava no artigoControl of water pollution from agriculture, em 1996, que o uso de pesticidas na agricultura tinha efeitos negativos em vários níveis: 1) Nos sistemas aquáticos, já que sua alta toxicidade e a persistência de químicos degradavam as águas. 2) Na saúde humana, pois a inalação, a ingestão e o contato com a pele destes produtos químicos incidia no número de casos de câncer, deformidades congênitas, deficiências no sistema imunológico, mortalidade pulmonar. 3) No meio ambiente, com a morte de organismos, geração de cânceres, tumores e lesões em animais, através da inibição reprodutiva, e a disrupção endócrina, entre outros. Que fitossanitários serão proibidos amanhã? Impossível saber. Até quando permitiremos continuar sendo cobaias?
Esther Vivas / *Artigo publicado por Publico.es, 07/07/2014. Tradução: André Langer | Instituto Humanitas Unisinos.
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