Brasil 2022
Apesar de o Brasil de hoje ser uma incógnita, já existe gente pensando o que deveremos ser em 2022. São pensadores que estão sendo recrutados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados. A CNTU está criando o seu Conselho Consultivo, que tem sido chamado de "Conselho das Mil Cabeças", para discutir o Brasil que queremos para 2022.
Questões importantes para o destino do Brasil, tais como a modernidade, a democracia, a cultura, a soberania e o desenvolvimento, precisam ser discutidas urgentemente. Se isso não for feito desde já, corremos o risco de sermos surpreendidos com desvios nefastos nas mensagens e conteúdos dos festejos do Bicentenário da Independência do Brasil e do Centenário da Semana de Arte Moderna.
Para tanto, a CNTU lançou as bases do projeto "Brasil 2022: O País Que Queremos" no evento 9ª Jornada Brasil Inteligente, realizado em São Paulo no dia 1º de julho último. A confederação congrega uma importante parcela da inteligência nacional com seus 56 sindicatos filiados. São sindicatos de todo o país nas áreas de engenharia, economia, farmácia, nutrição e odontologia.
Tudo indica que os próximos seis anos serão tomados por intensa reflexão capitaneada pela CNTU: as potências criativas e vitais do povo brasileiro estão sendo mobilizadas.
No evento do dia 1º de julho, no Auditório do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo, foi realizada mesa redonda -- para a qual tive a honra de ser convidado -- com o tema Soberania e cultura rumo ao Brasil 2022.
No debate, membros da mesa e da plateia foram unânimes na tentativa de equacionar a desejada soberania nacional. Sindicalistas e universitários de todo o Brasil apresentaram análises e propostas as mais atuais e progressistas, sobre o pertencimento do pré-sal aos brasileiros, sobre a mitificação enganosa de investimentos estrangeiros com evasão de riquezas nacionais, sobre a necessidade de recriação do Ministério da Ciência e Tecnologia etc.
Minha presença como debatedor revelou a visão ampla e lúcida que a diretoria da CNTU reserva à identidade brasileira: a cultura em geral e a música em particular se faziam presentes.
O renomado arquiteto e designer Ruy Ohtake elaborou a logomarca do projeto Brasil 2022, demonstrando, logo de início, a importância dos símbolos. Um engenheiro sindicalista da plateia lembrou que em 2022 não estaremos rememorando apenas os 200 anos da Independência e os 100 anos da Semana: estarão também se completando 100 anos da organização partidária liderada por Astrogildo Pereira.
Aproveitei para lembrar e frisar que a Independência do Brasil que completará 200 anos é aquela referente a Portugal. Ou seja, avivei a memória para o fato de que a independência soberana do Brasil ainda é sonho a ser concretizado. O sonho da independência, que se confunde com o sonho da soberania, precisa, acima de tudo, reconhecer a verdadeira e atual identidade do povo brasileiro.
Sabemos que a identidade brasileira de 2022 será totalmente outra, bem diferente daquela de 1922. Nossa identidade precisa estar revelada e bem representada em nossos símbolos nacionais. Foi com essa tese que lembrei outra efeméride, esquecida da maioria, que teremos para 2022: os 100 anos da letra do Hino Nacional.
Foi exatamente em 6 de setembro de 1922 que o presidente Epitácio Pessoa oficializou, por decreto, a letra gongórica e ridícula que ainda hoje cantamos. A letra é incompreensível para o povo brasileiro, não apenas porque fala de raios fúlgidos, de terra mais garrida, de impávido colosso, de lábaro e de clava forte. As formas indiretas de seus versos também impedem totalmente a compreensão. Só quem é afeito ao jogo e à permutação de palavras é capaz de descobrir que Osório Duque Estrada pretendeu dizer que "as margens plácidas do Ipiranga ouviram brado retumbante de um povo heroico".
A música que Francisco Manuel da Silva compôs em 1831, festejando a abdicação de Dom Pedro I, mudou de letra várias vezes, sempre com atos de cima para baixo por imperadores e ditadores.
Ideal será que, em 2022, ao comemorarmos os 200 anos da Independência e os 100 anos da Semana de Arte Moderna, seja promovido um concurso para a criação de um novo Hino Nacional, um novo brasão e uma nova bandeira do Brasil.
Tem sentido, em pleno século XXI, termos o lema positivista "Ordem e Progresso" escrito em nossa bandeira? Tem sentido, em pleno século XXI, termos nas armas da República, ramos de café e de fumo? Entendo que devemos tentar sensibilizar os artistas plásticos e os especialistas em heráldica para que adotemos uma nova bandeira e um novo brasão.
O convite à reflexão fica, assim, colocado. O ano de 2022 será momento em que, certamente, a expressão "passar o Brasil a limpo", voltará à baila. Fiquemos atentos à mobilização que a CNTU inicia agora, com vistas à instalação de uma verdadeira "Constituinte do Saber Brasil 2022".
* Jorge Antunes é maestro, compositor, poeta, membro da Academia Brasileira de Música, Pesquisador Sênior da Universidade de Brasília (UnB). Artigo publicado, originalmente, no jornal Correio Braziliense, de 18 de julho de 2016
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