O economista e a missão de gerir a escassez
Na comemoração do Dia do Economista, celebrado em 13 de agosto, o presidente do Sindecon-SP, Pedro Afonso Gomes, fala sobre a história da profissão e sua relevância social. E destaca o trabalho de representação e defesa da categoria.
Comemorado em 13 de agosto, o Dia do Economista homenageia a data da promulgação, em 1951, da Lei 1.411, que regulamenta a profissão. Hoje, devidamente registrados junto aos Conselhos Regionais das respectivas jurisdições, os bacharéis em Ciências Econômicas são 80 mil em todo o Brasil e atuam em cerca de 50 atividades diferentes, que não se resumem à análise financeira. “As entrevistas-relâmpagos nos meios de comunicação social fazem crer que apenas sabemos tratar de Taxa Selic. Somos muito importantes nos demais setores da economia, como indústria, comércio, serviços, governo, e mesmo para resolver conflitos, como é o caso da perícia econômico-financeira”, ressalta o presidente do Sindicato dos Economistas de São Paulo (Sindecon-SP), Pedro Afonso Gomes.
Esse caráter essencial e presença nos diversos segmentos, destaca ele, faz com que a profissão remonte a um passado bem mais distante que os 65 anos de sua existência oficial. “Provavelmente, os economistas – não com esse nome, mas com tarefa semelhante – enfrentam desafios desde que a humanidade se deparou com a primeira escassez de alimentos, seja pelas condições do tempo, seja por desastres naturais, seja por falta de planejamento. Desde então, ensina Gomes, a tarefa básica tem sido a mesma: “Compreender quais as necessidades materiais e imateriais da humanidade e tentar harmonizar tudo isso em soluções que, na dinâmica do provisório que é a vida, satisfaçam a maior parte.”
Nesta entrevista ao Portal da CNTU, o dirigente sindical traça um vivo panorama da profissão, que aborda a história da conquista da regulamentação, as demandas atuais, a importância da categoria e a atuação do Sindecon-SP.
Como foi a luta para se garantir a regulamentação da profissão do economista?
Outras profissões similares tinham sido regulamentadas por decreto-lei. Por esse mecanismo, existente até à Constituição de 1988, o Poder Executivo publicava o decreto-lei e, se ele não fosse revogado pelo Congresso Nacional, permaneceria automaticamente em vigor. Mas os economistas não conseguiram tal favor do Governo Dutra, então foram apresentados três projetos de lei, depois fundidos no PL 367/1948, que resultou na Lei 1.411/1951. Um episódio traumático aconteceu na noite de 15/01/1951, último dia da Legislatura e dos mandatos dos deputados: intervenções de alguns parlamentares impediram a votação desse PL, que estava em pauta, e ele foi arquivado à meia-noite. Sabendo das forças contrárias e por precaução, os economistas tinham conseguido eleger um deles, Fernando Ferrari, do PTB-RS, como deputado federal, e ele moveu-se para desarquivar o projeto e aprová-lo, até à sua sanção, em 13/08/1951, pelo Presidente Getúlio Vargas e pelos ministros da Educação, Simões Filho, da Fazenda, Horácio Lafer, e do Trabalho, Danton Coelho.
Qual foi o papel do Sindecon-SP nessa batalha?
Os primeiros bacharéis em Ciências Econômicas foram os alunos dos únicos cursos existentes, criados em 1931, no Rio e em São Paulo. No dia 11/01/1935, 34 recém-graduados pela Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), reuniram-se em uma sala do prédio Martinelli e fundaram uma associação, então chamada Ordem dos Economistas de São Paulo. Logo em seguida, conseguiram reconhecimento do Governo do Estado de São Paulo como entidade sindical, passando a chamar-se Sindicato Ordem dos Economistas de São Paulo. E, em 24/09/1941, portanto há quase 75 anos, essa entidade recebeu sua Carta Sindical, do Ministério do Trabalho, e passou a chamar-se Sindicato dos Economistas no Estado de São Paulo. Entre os desafios enfrentados pelas primeiras diretorias estava explicar à sociedade, às empresas e aos governos o que os economistas poderiam fazer, em termos profissionais. Para isso, passaram a ter presença significativa na imprensa e a fazer palestras em vários ambientes, até mesmo em estações de rádio que, naquela época, tinham auditórios que lotavam para quem quisesse ver os programas, enquanto aqueles que estavam distantes podiam apenas ouvir. E, preocupados com as condições de vida, criaram o primeiro índice de preços não administrado por entidade governamental – que hoje é o IPC da FIPE. Para colher as informações, distribuíram 2 mil cadernetas aos lixeiros da capital, nas quais os donos de mercearias anotavam o que eles compravam e os preços das mercadorias. Os economistas, então, coligiam os dados e calculavam a inflação desse segmento. A partir desses dados, e sabendo que a remuneração auferida pelos lixeiros – categoria com menor remuneração do mercado - não era suficiente para o sustento de suas famílias, o Sindecon-SP usou espaço na imprensa para, firmemente, reivindicar a criação de um salário mínimo, o que de fato ocorreu em 1940. Ao mesmo tempo, a batalha pela regulamentação profissional teve entre seus principais líderes vários dirigentes do Sindecon-SP, especialmente seu presidente à época, Ubirajara Dib Zugaib.
A legislação atual contempla plenamente as necessidades dos profissionais? A lei continua atual ou demanda alterações?
A vida econômica do final dos anos 1940 e a de hoje guardam algumas semelhanças fundamentais, mas apresentam mudanças muito significativas. Os termos então utilizados hoje não o são mais, e algumas nomenclaturas nem eram cogitadas. O fundamental está na Lei 1.411. Há nove anos, no Senado Federal, tramita o PLS 0658/2007, de autoria do então senador Inácio Arruda, que atualiza o rol de atividades privativas ou inerentes dos profissionais Economistas. Faço parte da comissão do Conselho Federal de Economia que cuida das normas, da legislação e da ação parlamentar sobre esse tema desde 2010. Buscamos o diálogo com o parlamento e as demais profissões, e, penso, em alguns poucos anos poderemos ter a reforma da nossa lei.
Existe um pleito pela criação da carreira de Estado para a profissão? Como está esse assunto?
Ao PLS 0658/2007, já mencionado, foi agregada uma emenda que torna Carreira de Estado os cargos privativos de Economista. Não podem os profissionais da área ficar submetidos aos interesses do governo X ou Y. Eles trabalham para a nação brasileira, administrando a escassez no presente e no futuro, planejando, monitorando as necessidades da população e dos agentes econômicos e oferecendo a solução técnica. Por isso, a importância da criação da Carreira de Estado de Economista.
Quais os principais desafios dos economistas na atualidade? A profissão é valorizada?
Provavelmente, os economistas – não com esse nome, mas com tarefa semelhante – enfrentam desafios desde que a humanidade se deparou com a primeira escassez de alimentos, seja pelas condições do tempo, seja por desastres naturais, seja por falta de planejamento. Hoje, dizem que os desafios alteram-se a cada 18 meses, enquanto há um século eles mantinham-se mais ou menos idênticos por décadas. Esse é, então, na minha visão, o obstáculo número um a superar: que o economista esteja atento à evolução da sociedade e às necessidades ou exigências que vão sendo criadas. Sem tal atenção, ele não será um profissional valorizado. O conceito que se tem de economista é muito positivo, haja vista que praticamente nenhuma matéria ou programa de notícias sobre o cotidiano deixa de entrevistar um economista. Quanto às questões salariais, embora tivesse havido certa regressão, em certa época, atualmente os dados do Caged indicam que, frente a profissões similares, o economista é bem melhor remunerado. E o interessante é que tal remuneração não se reduz com a idade, ao contrário, tende a elevar-se. Dizem que “o velho bruxo é sábio não porque é bruxo, mas porque é velho”. Esse mote serve também para os economistas, pois a experiência profissional bem aproveitada dá-lhe condições de aplicar os sólidos conceitos teóricos que recebeu. Mas, um alerta: isso só vale para quem se atualiza e não se contenta com o que já aprendeu e vivenciou.
E quais são as oportunidades para esses profissionais? Como e onde podem atuar?
Não vou cansar os leitores com a lista de 49 atividades próprias do economista que consegui identificar e que estão disponíveis em uma apresentação no Youtube. O essencial é não satisfazer-se com a ideia de que o economista é apenas um financista. As entrevistas-relâmpagos nos meios de comunicação social fazem crer que apenas sabemos tratar de Taxa Selic. Claro que o mercado financeiro é muito importante, mas somos muito importantes nos demais setores da economia, como indústria, comércio, serviços, governo, e mesmo para resolver conflitos, como é o caso da perícia econômico-financeira, atividade que mais cresce, em termos de empregabilidade, entre os economistas.
Como tem sido a atuação do Sindecon-SP na representação da categoria?
Nos últimos 20 anos, houve uma mudança completa do perfil profissional dos economistas. Antes, eram abundantes os cargos públicos e os empregos, ou seja, os funcionários públicos e os celetistas. Hoje, a maior parte já não atua com tais vínculos. Muitos atuam como autônomos ou como titulares de escritórios de Economia e Finanças, em especial nas áreas de consultoria, assessoria, perícia, auditoria e avaliação econômico-financeira. Então, o Sindecon-SP amoldou-se a essa nova realidade. Atuamos em dissídios coletivos nos casos em que os economistas estão empregados, mas voltamos uma boa parte dos nossos esforços para o aperfeiçoamento e a atualização dos que atuam como profissionais liberais, no sentido mais amplo do termo. Por isso, a nossa ênfase nos cursos, ministrados há mais de 20 anos. Assim, ao mesmo tempo em que acompanhamos a evolução das oportunidades, buscamos resguardar os direitos dos economistas, ampliar o seu mercado de trabalho e oferecer-lhes, na casa do trabalhador, que é o sindicato, todos os benefícios possíveis para os associados e seus familiares até o segundo grau (filhos, netos, pais, avós, irmãos e cônjuge) de qualquer idade.
Para além das oportunidades de carreira, qual a importância da profissão para a sociedade?
Uma frase e uma alegoria poderiam indicar uma resposta a essa questão. A frase é de Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia : “Não existe almoço grátis”: cabe ao economista contribuir com a sua visão global, enxergando a floresta e não apenas a árvore, para decidir a alocação de recursos na sociedade, quanto ela se priva de uma coisa para oferecer outra, no caso, o almoço grátis, ajudar a gerir a escassez, que hoje é de todos os recursos. A imagem é do saudoso professor Armando Dias Mendes. Ele dizia que o economista assemelha-se a um ornitorrinco, que parece feito dos pedaços de outros animais. O economista precisa conhecer bem história, matemática, sociologia, Direito, contabilidade, empresas, governos, bancos, meio ambiente e até mesmo filosofia e teologia – o fundador da Economia Moderna, Adam Smith, era filósofo e teólogo. E tudo isso para compreender quais as necessidades materiais e imateriais da humanidade e tentar harmonizar tudo isso em soluções que, na dinâmica do provisório que é a vida, satisfaçam a maior parte da humanidade.
Rita Casaro - Comunicação CNTU
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