Como age a indústria farmacêutica para garantir altos lucros
Capítulo do livro "A Privatização da Democracia: Um Catálogo da Captura Corporativa no Brasil" analisa a relação entre as companhias, parlamentares e a legislação brasileira.
Em 2014, a indústria farmacêutica alcançou no Brasil um valor de mercado recorde de US$ 29,4 bilhões, e a expectativa é que, até 2020, amplie o faturamento para cerca de US$ 47,9 bilhões/ano, segundo dados da consultoria GlobalData2.
O Brasil é hoje o sexto maior mercado em vendas de medicamentos do mundo, com forte perspectiva de ocupar o quarto lugar já em 2017. A despeito da crise internacional, o mercado brasileiro de medicamentos é pujante, desconhece recessão há quase quinze anos e estima ter fechado 2015 no azul.
Esses bons resultados dependem de momentos de expansão econômica, mas se devem, principalmente, às decisões políticas tomadas nas principais instâncias de poder do país. Decisões como a aprovação da Lei 9.279/96, a chamada Lei de Patentes, que criou forte esquema de proteção para o monopólio de exploração de medicamentos no país e, apesar das mudanças legislativas propostas desde então, ainda favorece os interesses dos grandes laboratórios multinacionais em detrimento daqueles da população brasileira.
“É a Lei de Patentes que evita a entrada de medicamentos genéricos no mercado, mantém os monopólios dos grandes laboratórios e, consequentemente, faz com que os preços dos remédios fiquem mais caros”, explica Jorge Bermudez, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, um dos maiores centros públicos de pesquisa e produção de medicamentos do país, que atua no suporte do Sistema Único de Saúde (SUS).
Segundo ele, a redução das brechas para concessão e extensão das patentes, conforme proposto em projetos de lei em tramitação no Congresso, é de vital importância para a saúde da população. “O direito à saúde tem que ser preponderante ao direito comercial”, justifica. Mas, para manter seus lucros, a indústria farmacêutica investe pesado em estratégias de captura para convencer os parlamentares a manter a legislação tal como está, ou torná-la ainda mais aberta à concessão de patentes.
Representação corporativa fracionada
As 259 empresas farmacêuticas que atuam no Brasil organizam-se em representações corporativas diversas. Os laboratórios multinacionais e a indústria de capital nacional organizam-se em entidades diferentes. Os dois grupos possuem bandeiras comuns, como a desoneração dos medicamentos, mas também pautas antagônicas, como a própria Lei de Patentes.
Os laboratórios multinacionais são representados, principalmente, pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), criada em 1990. Presidida pelo ex-governador do Rio Grande do Sul, o jornalista Antônio Britto, representa 56 laboratórios estrangeiros que, hoje, são responsáveis pela venda de 80% dos medicamentos de referência e por 33% dos genéricos disponíveis no mercado brasileiro3. No campo oposto estão entidades que respondem pela indústria nacional. A de organização mais recente é o Grupo Farma Brasil, que representa as nove maiores farmacêuticas de capital nacional. Essas companhias respondem por 36% do mercado total farmacêutico e 53% do segmento de genéricos4. Entretanto, como elas mantêm muitas parcerias com os grandes laboratórios multinacionais, acabam por limitar o Grupo Farma Brasil a um posicionamento tímido em relação às pautas públicas que envolvem o segmento.
Outra é a Associação Brasileira da Indústria de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina), que tem protagonizado os maiores embates com os laboratórios estrangeiros em defesa dos interesses nacionais. Segundo seu vice-presidente, Reinaldo Guimarães, este segmento do setor farmacêutico tem peso crescente na economia nacional: responde por 50% da venda de unidades de medicamentos e fatura algo entre 40% e 50% dos lucros totais.
Lobby e poder
Para tentar influir nas decisões pertinentes ao setor, esses grupos se valem de variadas estratégias de lobby, uma atividade legal no país, mas não regulamentada. Para Pedro Villardi, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (GTPI/Rebrip), que reúne diversas organizações da sociedade civil, a falta de regulamentação do lobby mantém a prática invisível e gera um déficit democrático para o país. “Enquanto o lobby não for regulamentado, a gente não vai saber quem atua no jogo democrático”, afirma Villardi, que também é coordenador de projetos da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (Abia).
O vice-presidente da Abifina admite que a falta de transparência também abre brechas à corrupção. “O sujeito vai lá, promove encontros, apoia campanhas eleitorais, conversa, oferece vantagens. Lobby é isso. E não me parece algo condenável, a não ser quando há troca de favores, quando não se baseia em convicções efetivas sobre as políticas de que ele trata, mas responde a incentivos financeiros para votações em determinados sentidos. Aí fica uma coisa complicada. E isso existe, é evidente que existe”, atesta.
No parlamento, tramitam dez proposições para regulamentar o lobby, todas elas emperradas na burocracia legislativa. É que a regulamentação, a exemplo do que ocorre em outros países, torna a atividade transparente, o que não é interessante para quem faz uso indevido dela. Nos Estados Unidos, por exemplo, os grupos de interesse precisam registrar no parlamento todo o dinheiro empregado em atividades de lobby, o que permite que a sociedade identifique como e por que tais grupos tentam convencer os parlamentares a tomarem determinada decisão. A organização não governamental Center for Responsive Politics, que edita o premiado OpenSecrets.org e faz o acompanhamento da atividade de lobby naquele país desde 1998, apurou que, só de janeiro a abril de 2015, os diferentes setores da economia norte-americana investiram U$S 3,24 bilhões na atividade. Dentre esses setores, o da Saúde foi o que mais gastou: US$ 134,7 milhões. Para ler o artigo na íntegra clique aqui. Por Najla Passos.
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