Bresser-Pereira e seu projeto para tirar o Brasil do transe
Em entrevista especial, o economista e ex-ministro traça um cenário detalhado sobre a situação atual do País e saídas para o desenvolvimento.
Em meio a uma derrocada econômica gravíssima e a uma crise política que atinge fartamente representantes do Executivo e do Legislativo e não poupa de desgaste o Judiciário e a mídia, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, tendo a companhia de um seleto grupo de intelectuais, artistas e ativistas, apresentou ao País o “Projeto Brasil Nação”. O manifesto que apresenta as ideias gerais da iniciativa foi lançado em 27 de abril último em evento que lotou auditório da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo.
O professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, que já ocupou os ministérios da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia, ressalta que o objetivo era apontar uma alternativa viável ao caos atual. “Não adiantava apenas protestar contra o que está havendo e afirmar valores, mas dizer como chega se lá. Temos que mostrar que é possível uma coisa diferente no plano fundamental, que é o econômico”, afirma.
Nesse campo, são cinco pontos essenciais que obedecem ao modelo teórico do novo-desenvolvimentismo, criado por Bresser-Pereira: “regra fiscal que permita a atuação contracíclica do gasto público e assegure prioridade à educação e à saúde; taxa básica de juros em nível mais baixo, compatível com o praticado por economias de estatura e grau de desenvolvimento semelhantes aos do Brasil; superávit na conta corrente do balanço de pagamentos, necessário para que a taxa de câmbio seja competitiva; retomada do investimento público em nível capaz de estimular a economia e garantir investimento rentável para empresários e salários que reflitam uma política de redução da desigualdade; reforma tributária que torne os impostos progressivos”.
Em entrevista concedida ao Engenheiro, o ex-ministro enfatizou a importância de se ter um câmbio que garanta equilíbrio industrial e a necessidade de se neutralizar a doença holandesa, e foi categórico: as razões da crise atual são as mesmas que mantêm o Brasil em semiestagnação desde os anos 1990. Ele também criticou a irresponsabilidade fiscal, na qual Dilma Rousseff teria incorrido gravemente, mas condenou a “cretinice” da Emenda Constitucional 95, que limita à inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) o teto dos gastos públicos pelos próximos 20 anos. Bresser-Pereira afirmou ainda a importância dos engenheiros para o planejamento nacional. Confira a seguir.
Foto: Beatriz Arruda
Bresser-Pereira: É preciso apresentar uma alternativa viável ao País.
Novo-desenvolvimentismo
Desde 2001, eu venho desenvolvendo um sistema teórico que acabou recebendo o nome de novo-desenvolvimentismo, que tenta dar um passo adiante em relação ao desenvolvimentismo clássico dos anos 1950, de Celso Furtado e outros intelectuais. Esses acreditavam ser preciso haver planejamento econômico, ter um modelo de substituição de importação e, para isso, contar com o apoio dos países estrangeiros e de sua poupança, portanto, financiamento e investimentos externos seriam bem-vindos. O novo-desenvolvimentismo vai dizer o seguinte: isso não funciona. As empresas dos países em desenvolvimento, como o Brasil, têm uma grande desvantagem na competição internacional, porque existe uma tendência à sobrepreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio. A taxa de câmbio tende a permanecer apreciada durante vários anos, num quadro de déficit em conta corrente que os economistas chamam de poupança externa. Depois, as dívidas vão se acumulando, até que um dia os credores que estão financiando essa pequena festa perdem a confiança e suspendem a sua rolagem. Então, quebra o País ou as empresas ou ambos. Aí, há uma depreciação violenta. Quando a crise começa a se arrumar, a taxa de câmbio volta e se repete o ciclo.
Taxa de câmbio
Essa teoria é inovadora porque coloca a taa de câmbio no centro da macroeconomia como parte da função de investimento. Nós sabemos que o desenvolvimento econômico depende fundamentalmente de investimento. Então é preciso saber de que depende o investimento. A teoria econômica geral diz que as empresas investem desde que a taxa de lucro esperada seja maior que a taxa de juros. Então veio o (John Maynard) Keynes e disse: “E de que depende a taxa de lucros? Na verdade, existe uma insuficiência de demanda, e a taxa de lucros está rebaixada. É necessário ter política fiscal e monetária contracíclicas.” Aí vem o novo-desenvolvimentismo e questiona: “Muito bem, mas de que adianta haver demanda agregada, interna e externa, se a taxa de câmbio estiver apreciada no longo prazo?”. O empresário considera a taxa de câmbio e, fazendo as contas, vê que é mais barato aos seus concorrentes exportarem para o Brasil, então ele não investe. Em 2002, a taxa de câmbio nominal era R$ 3,95. A partir de 2007, entramos em déficit em conta corrente. Entre 2007 e 2014, a taxa girou em torno de R$ 2,80 por dólar, quando a necessária para tornar competitivas as boas empresas que produzem com tecnologia era entre R$ 3,80 e R$ 4,00. Precisa ter taxa de câmbio competitiva e, portanto, você deve ter superávit em conta corrente. O Brasil, para ter uma taxa de câmbio equilibrada ou competitiva hoje, precisa de R$ 4,00 por dólar. Com isso, terei 1% de superávit e a economia cresce.
Déficit em conta corrente
Os brasileiros em geral acham que se tiver déficit de 3% financiado entre 70% e 80%, o País está no melhor dos mundos possíveis. O raciocínio que normalmente se adota: investimento é igual a poupança, externa e interna. Para aumentar, então posso aumentar a poupança externa. Mas, com isso, aprecia-se o câmbio, estimula-se o consumo e desestimula-se o investimento. Não tenho nada contra o investimento direto nem contra multinacional, o que não quero é déficit em conta corrente. O Brasil não precisa de capital estrangeiro, precisa de tecnologia.
Valor equilíbrio industrial
Se você estiver no equilíbrio corrente, isso continua inviabilizando a indústria. Isso seria suficiente se não houvesse a doença holandesa, a desvantagem competitiva dos países com abundância de recursos naturais que lhes permite produzir commodities baratas que podem ser exportadas com taxa mais apreciada que a necessária para os produtos com tecnologia. Então, preciso do valor equilíbrio industrial. Isso é necessário para exportar manufaturados.
Juros
Precisa ter uma taxa de juros baixa. A taxa real hoje deveria ser em torno de 2%, o que refletiria a nossa condição de país de renda média.
O crescimento entre 1930 e 1980
Como é que se explica que o Brasil entre 1930 e 1980 foi o País que mais cresceu no mundo e se industrializou extraordinariamente? Graças a Getúlio Vargas, os brasileiros aceitaram a ideia de que desenvolvimento era industrialização. O que se fazia essencialmente eram tarifas de importação elevadas, isso que geralmente é chamado de protecionismo. Uma parte grande disso destinava-se a neutralizar a doença holandesa do ponto de vista do mercado interno. No Brasil, hoje temos a tarifa média de 12% sobre importação. Se o governo aumentasse em 20% as taxas alfandegárias da indústria, na verdade, depreciaria o câmbio para efeito de importação e tornaria competitivas as empresas brasileiras.
Neutralizar a doença holandesa
Em 1967, o (Antônio) Delfim Netto (então ministro da Fazenda) fez um subsídio à exportação de manufaturados com tarifa média de 45%. O resultado foi explosivo. Em 1965, as exportações de manufaturados correspondiam a 6%; em 1990 chegaram a 62%. Hoje, devem estar perto de 30%. A forma mais correta não é o subsídio, que hoje é proibido pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas, se colocar um imposto sobre a exportação de commodities variável conforme o seu preço internacional, neutraliza-se completamente a doença holandesa. O custo aumenta, por exemplo, em R$ 0,70 e só exportarão a mesma quantidade com a taxa de R$ 4,00. Os produtores não pagam nada, porque recebem de volta em termos de câmbio.
Crise
A crise de 1998-1999 foi de balança de pagamentos. A crise em 2014 é das empresas. Com a taxa de câmbio apreciada, as empresas perderam competitividade e foram se endividando. Em 2014, houve a violenta queda do preço das principais commodities – minério de ferro e soja – e as empresas pararam de investir. Houve também uma crise de confiança no governo Dilma (Rousseff) devido à irresponsabilidade fiscal. A inflação subiu um pouco, a gritaria dos rentistas e financistas foi muito grande, e ela se mostrou inábil. Estamos numa recessão que começou no segundo semestre de 2014 e se agravou muito no início do segundo mandato dela com o (ministro da Fazenda) Joaquim Levy, que, em cima de uma crise brutal, fez um ajuste violento. Mas estamos numa situação de semiestagnação desde 1990, devido à armadilha de câmbio apreciado e juro alto. A partir de 1990, o Brasil entra – e até hoje não saiu dele – em um regime de política econômica liberal. A mudança acontece quando o (Fernando) Collor chega ao poder e faz a abertura comercial violenta e, em seguida, a financeira. Em 1995, Fernando Henrique (Cardoso) faz a privatização dos serviços públicos monopolistas e elimina o conceito de empresa nacional. Em 1999, ele faz o tripé macroeconômico: superávit fiscal, meta de inflação, que gera o juro alto, e câmbio flutuante. O Lula (Luís Inácio Lula da Silva) manteve o modelo liberal igualzinho, a única coisa que fez foi aumentar o salário mínimo e o bolsa-família, portanto, foi distributivista. A Dilma tentou mudar, baixou a taxa de juros, mas não fez o ajuste fiscal. Esse governo (de Michel Temer) vem agravando a crise. Continuam cortando investimentos de forma brutal.
Responsabilidade fiscal
Sou crítico do pensamento neoclássico ortodoxo, mas também do keynesianismo vulgar da esquerda populista que resolve todos os problemas com gasto público. Um grande mal do Brasil e de países de renda média é o populismo econômico, que não tem nada a ver com o populismo político, que é uma coisa séria. Ou pior ainda, o populismo fiscal. O Estado precisa ser capaz e forte, legitimado perante a sociedade, portanto, deve ter responsabilidade fiscal. Não essa cretinice que foi feita pelo Governo Temer com o limite do teto de gastos. Você pode fazer um teto em termos percentuais, mas em termos fixos é um contrassenso.
Emenda Constitucional 95
Eu sou profundamente contra essa emenda, mas ela não vai se sustentar, vai ser letra morta dentro de alguns poucos anos. Não é uma emenda que traduz uma política econômica, mas uma tentativa de diminuir o tamanho do Estado através do engessamento constitucional. O Estado de bem-estar social é justo, mas também eficiente. E é muito mais eficiente aumentar o atendimento das famílias com saúde e educação que aumentar os salários.
Sistema tributário
O sistema tributário deve ser progressivo, isso faz uma diferença brutal em termos de distribuição. Nós sabemos que o país rico mais desigual do mundo são os Estados Unidos. Quando se faz o cálculo do índice de Gini antes do pagamento dos impostos, a desigualdade na Suécia é só um pouco menor que nos EUA. Depois dos impostos, a diferença é enorme. Eu sou contra querer fazer distribuição com gasto público irresponsável como a Dilma fez, mas sou a favor fortemente de imposto progressivo.
Resistência
Ninguém gosta de depreciar o câmbio, porque reduz imediatamente o valor de todos os rendimentos: dos salários, aí a esquerda não gosta; dos alugueis, juros e dividendos, aí a direita não gosta. E para os rentistas é pior, pois diminui o estoque de capital, coisa que os trabalhadores não têm. A meu ver, o que impede é esse sacrifício necessário no curto prazo que ninguém aceita. O Brasil vai continuar ficando para trás. Até 1980, fazia o catching up, agora está indo para trás, cresce menos que os países ricos.
Política de desoneração da indústria
Foi brutalmente errada. O populismo desenvolvimentista tem duas soluções universais: primeiro, expande o gasto público; segundo, tudo se resolve com política industrial, que quer dizer fundamentalmente subsidiar a indústria nacional de alguma forma. Sou a favor de política industrial estratégica, e desde que estejam certos os cinco preços macroeconômicos: taxas de lucro, de juros, de câmbio, de salários e de inflação. O País está bem quando esses cinco preços estão certos. O que não devo em hipótese alguma é pensar que através da política industrial eu vou compensar um câmbio errado.
Engenheiros
O papel dos engenheiros é absolutamente fundamental. Há setores competitivos e outros, não. No setor competitivo, a regra fundamental é “dá-lhe mercado”. Nos demais, precisa ter coordenação direta e planejamento do Estado. Para isso, é fundamental que haja um corpo de engenheiros muito competentes, que sejam capazes de fazer pré-projetos e a avaliação de tudo. Além dos engenheiros dos quais as empresas precisam muito, temos que ter esses profissionais no Estado. Deveríamos ter uma carreira muito maior de gestores engenheiros. Engenheiro não é só quem desenvolve tecnologia, mas quem faz planejamento.
Otimismo
Temos que apostar em algumas coisas e exigir uma política desenvolvimentista moderna. É fazer como os países leste-asiáticos que ficaram ricos de verdade (Coreia do Sul, Taiwan e Cingapura). Esses não têm doença holandesa e têm outra vantagem enorme: não pensam que são europeus. Nós pensamos que somos, isso tira nossa ideia de nação.
Rita Casaro
Entrevista publicada, originalmente, no jornal Engenheiro, da FNE
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