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15/06/20

Covid-19 expõe realidades contraditórias

Carlos Magno Corrêa Dias

"Seja como for, independente de quanto tempo ainda dure a situação de insegurança atual, algumas realidades se manterão confrontadas e muitas contradições se apresentarão", avalia conselheiro da CNTU em artigo. 

 

 

As reais crises médico-hospitalares são geradoras de problemas interdisciplinares não sendo, em geral, limitadas à dicotomia entre saúde e economia. Tais crises embora cíclicas mudam as consequências dependendo onde e quando ocorram. Como sempre, espaço e tempo são determinantes e entram em conflito.

 

A pandemia de Covid-19, em muito parecida com pandemias do passado próximo ou distante, está gerando um dos maiores experimentos globalizados no qual a participação involuntária é categórica. Durante anos futuros serão necessários avaliações, estudos e muitas pesquisas tanto para se entender sua ocorrência e consequências quanto para perspectivar precauções necessárias.

 

Entretanto, a despeito de todo trabalho de mitigação das consequências da Covid-19 a ser desenvolvido, os mais pobres sentirão mais intensamente os efeitos desta pandemia em todos os sentidos. É notório, seja feito o que for feito, são e serão as classes menos favorecidas as mais prejudicadas.

 

A paralisação temporária de alguns setores, seja parcial ou total, devido ao distanciamento social está fazendo com que as pessoas consumam de forma em muito diferente do que aquela antes do surto da doença Covid-19. Idas aos médicos, aos restaurantes, às academias, às clínicas, aos shoppings, aos cinemas, não apenas foram reduzidas ou totalmente inviabilizadas como, também, passaram a ser trocadas por alternativas antes já existentes, mas em muito subutilizadas.

 

As pequenas e médias empresas sofrerão um brutal efeito sobre suas receitas. Os trabalhadores informais se não têm para quem vender, se não podem trabalhar, se não têm os seus proventos não terão como pagar suas dívidas contraídas e não terão até mesmo o que comer. Mas, isto se insistirem em se manter como antes da pandemia ou, é claro, não tiverem como se reinventar.

 

Aqueles que podem realizar home office continuarão recebendo, talvez com alguma redução nos salários, mas seguirão trabalhando e recebendo por mais tempo ou até definitivamente. Quem não pode fazer home office ou continuará trabalhando pondo sua vida e de todos os seus familiares em risco constante ou perderá seu emprego, será demitido; aumentando a pobreza e as desigualdades sociais, inevitavelmente.

 

Enganam-se aqueles que se preocupam apenas com a redução agora de alguns poucos pontos percentuais no PIB em decorrência da paralisação ou das adequações que se fazem necessárias para a contenção da pandemia de Covid-19. Depois que a pandemia passar o PIB dos países vai aumentar drástica e rapidamente em decorrência das demandas retraídas que em muito serão ampliadas. Além do mais, toda curva jamais é sempre descendente ou ascendente. Em dado ponto sempre, necessariamente, sofre inflexão.   

 

Depois de passada a pandemia, e ela vai passar, uma vez descoberto (ou sentido), por exemplo, que uma empresa pode ter seus empregados trabalhando em home office e não ter mais diversos gastos operacionais e ainda manter praticamente inalterados (ou até aumentados) seus rendimentos mensais anteriores dificilmente vai retornar 100% ao presencial. Mas, seja como for, o entorno circulante das empresas vai sofrer alterações, mas novamente, será inevitável, o aumento da pobreza e das diferenças sociais continuará acontecendo.

 

Amenizar as consequências da crise para os mais vulneráveis com observações simpáticas é tão irresponsável quanto querer dizer que nada vai acontecer e que o mundo continuará a rodar como antes. O cenário é “dramático”, sem dúvida. Mas, não é um dilema entre economia e saúde, entre setores empresariais e bancos, entre escolas e conhecimento, entre econômico e financeiro, entre mercado e trabalho. De forma alguma.

 

A crise está pondo em evidência, muito mais particularmente, os sérios problemas sociais existentes e as graves deficiências no sistema de saúde e de atendimento das pessoas em geral em todas as partes do mundo. Põe em xeque, principalmente, a pouca eficiência dos governos para rapidamente oxigenar a economia, para conceder empréstimos auxiliares ou emergenciais para as pequenas e micro empresas, ou para a transferência de dinheiro de impostos para manterem vivos os trabalhadores sejam eles formais ou informais.

 

Percebe-se, notadamente, como são fracas as estruturas de proteção social que se desenvolveram nas últimas décadas; tendo-se que inventar de uma hora para outra programas às vezes sem lastro algum, não previstos nos orçamentos anuais, como se jamais crises pudessem acontecer e comprometer todo o futuro das nações.

 

Um outro ponto ainda mais grave resultante da crise da pandemia de Covid-19 é a dizimação dos invisíveis. Existem pessoas que sequer existem oficialmente, não têm celular para baixar aplicativos, não têm conta em banco, não têm residência fixa, moram nas ruas, embaixo das pontes, sem documentos, sem condições mínimas de sobrevivência e que jamais vão conseguir receber qualquer ajuda financeira oficial dos governos uma vez que os filtros existentes vão barrá-las inevitavelmente. Os sistemas não têm e não terão sequer como reconhecê-los oficialmente. Dificilmente, também, estes invisíveis vão se reinventar para serem percebidos ou mesmo terão condições de sobreviver.

 

E ainda se ouve dizer que se não deixar a economia funcionar normalmente “pessoas morrerão de fome” como, se aliás, já não existissem estes seres humanos, tanto há anos como no presente, morrendo de fome por não ter o que comer.

 

Mas, não são apenas os invisíveis que ficarão fora do radar das assistências momentâneas. Muitas empresas, independentemente de serem micro, pequenas ou até grandes, vão ser barradas pelos filtros da economia, pelos crivos de risco de crédito dos bancos, pelos serviços de proteção em geral, pelas regras muito generalistas de programas governamentais. Tais organizações ficarão por sua conta e se obrigarão a fechar, a demitir empregados, a assumir (talvez) dívidas por outros meios que, certamente, não terão como saldar e mais cedo ou mais tarde irão quebrar e com elas levarão parte da economia também.

 

A deterioração do atual sistema financeiro é inevitável se o sistema não for repensado ou em muitas áreas reinventado. Além do mais, sempre é bom lembrar, que somos hoje resultados de seguidas outras endemias, pandemias, crises econômicas, que no passado recente ou nem tão próximas assim assolaram o mundo mudando não apenas as economias, mas as sociedades como um todo.

 

Antes das transformações ocorrerem, que se processam de forma muito lenta, quase imperceptível, o estresse gerado será suportado de uma forma geral e não apenas a economia vai sofrer, as pessoas vão sofrer muito mais. Os valores vão sofrer. A cultura vai sofrer. A religião vai sofrer. Enfim, a sociedade mundial vai sofrer.

 

Mas, o grande problema não é o amanhã próximo das consequências da pandemia de Covid-19 que inevitavelmente se instalará. O grande problema ainda, não bem conhecido, são as dificuldades que enfrentarão e gerarão os filhos da pandemia de Convid-19. Sim, existirão filhos desta crise como sempre acontece. 

 

E, é interessante ressaltar, que os filhos gerados das crises, em geral, não têm muita compaixão com aqueles que os geraram. Talvez, apenas talvez, não se repita está possibilidade proximamente tendo em vista que já nasceu a concepção que somos mais fortes por meio da cooperação e não pela competição.  

 

Seja como for como estes filhos da pandemia de Covid-19 continuarão a vida no planeta? Terão tempo de perceber os impactos causados? Suprirão as necessidades reconhecidas? Entenderão as fragilidades dos seres humanos quando tomados separadamente ou individualmente? Saberão que seus poderes não existem frente a outras forças maiores? Saberão que a humanidade sobreviverá a despeito da própria humanidade? Enfim, como os filhos da pandemia Covid-19 manter-se-ão com inteligência no controle?

 

Independentemente das questões precedentes sempre é necessário lembrar que em várias outras oportunidades já ocorreram possibilidades reais do mundo vir a acabar como foi o caso da Peste Negra (século 14), Cólera (1817), Tuberculose (1850-1950), Varíola (1896-1980), Gripe Espanhola (1918), Ebola (1976, 1995, 2007, 2014), Tifo (1918-1922), Gripe Suína - H1N1 (2009). Bilhões de pessoas morreram.

 

A crise da pandemia de Covid-19 faz parecer que um choque de destruição no sistema global vai acabar com o mundo. Que o sistema médico-hospitalar vai falir, que uma falta de infraestrutura generalizada vai ocorrer, que não haverá mais o que comer, que as pessoas vão se matar para se manterem vivas, que as economias vão desabar, que o final do mundo estará prestes a acontecer.

 

Mas, deixando-se o ceticismo ou o otimismo de lado, há de observar que não se percebeu a falta de liquidez no mercado, não se reduziram as exportações, o preço das commodities em pouco ou quase nada se alterou, diversos países supostamente mais afetados diretamente pela crise estão tendo suas Balanças Comerciais com superávit (como é o caso do Brasil). Não aconteceu corrida aos bancos, não foi gerada uma oferta excessiva de crédito por parte dos bancos, não se alteraram os requisitos para a entrada de mercadorias, não ocorreram interrupções significativas no fornecimento de matérias-primas e insumos, a venda de bens sejam duráveis ou não continua praticamente inalterada (aumentando em muitos casos), as grandes fortunas ou patrimônios só fazem aumentar.

 

Claro que a pandemia de Covid-19 está produzindo alterações na chamada normalidade do mundo fazendo com que sejam reduzidas, alteradas, ou mesmo canceladas, várias atividades de diferentes setores como é o caso da redução do turismo embora os aeroportos parecem estar funcionando bem; obrigou a cancelar shows de diversos tipos, ações culturais distintas e eventos esportíssimos foram cancelados ou postergados, se fez necessária a remodelação da forma de comercialização de diversos produtos, aumentou a venda remota, gerou uma expectativa de pequena queda no PIB estimando-se uma possível elevação rápida na sequência, produziu leve desestabilização do câmbio e juros em geral.  

 

Saliente-se, a propósito, que a balança comercial do Brasil, por exemplo, registrou seguidas vezes superávit mesmo em pleno curso da pandemia.

 

Percebe-se, então, que a crise vai afetar (como sempre), de fato, em cheio os mais vulneráveis efetivamente, pois os mercados já descobriram há tempos como enfrentar novos choques financeiros ou monetários. Risco de recessão em diversas áreas não são, entretanto, descartados. Bem podem ocorrer devido mais às decisões inadequadas por parte de governantes que poderão sim criar problemas que demorarão anos para serem eliminados.

 

Deve-se salientar, entretanto, que as crises sempre promovem o desenvolvimento de melhores condições de vida para todas as populações que sempre podem se recuperar, mas não para os eternos desafortunados que somente sofrem cada vez mais com as crises sejam elas de qual natureza for.

 

Todavia, tais melhores condições de vida não serão determinadas por uma sociedade que insiste em ser regida unicamente pelo Mercado. A Economia pode ser regida pelo Mercado, mas a Sociedade não pode ser regida pelo Mercado uma vez que se assim o fosse idosos, pessoas com deficiência, populações de doentes, crianças, dentre outras populações mais vulneráveis iriam engrossar (absurdamente) o número de invisíveis e desassistidos. O Mercado serve à Economia.

 

Sempre o Estado necessita preparar a Nação para enfrentar graves problemas futuros como outras epidemias que certamente vão ocorrer. Necessita-se, então, de um Estado eficiente que seja capaz de atender as necessidades da população independentemente da Economia ou do Mercado; ou da Política, certamente. As crises anteriores ensinam lições cujas soluções devem ser postas em prática com os necessários aprimoramentos; mesmo que, aparentemente, um certo esquecimento possa ocorrer vez ou outra. 

 

Muito embora as Economias ao redor do planeta já tenham entendido que de nada adianta ter dinheiro no banco se não existirem vagas em hospitais para atender as pessoas doentes que vão morrer, alguns Governos ainda não compreendem que mortos não movem a Economia.

 

Então naqueles países onde as diferenças sociais são gigantescas é mais que necessário, por exemplo, repensar o modelo tributário para que todos tenham efetivamente os mesmos direitos e deveres. Isto porque é o Estado que deve ser o indutor do desenvolvimento social e promotor de maior justiça social. 

 

Com crise ou não é de se observar que em momentos graves como o das pandemias existe um aumento da solidariedade e uma diminuição do individualismo. Passa-se a acreditar mais nas Ciências e delas se espera a salvação. Todavia, em geral, passados os tempos de tensão volta-se ao processo de competição entre as pessoas e elas não se entendem mais solidárias ou cooperativas umas com as outras. As Ciências voltam a ser esquecidas, ou até mesmo hostilizadas pelas mesmas pessoas que nelas diziam confiar ou acreditar.

 

Seja como for, independente de quanto tempo ainda dure a situação de insegurança atual, algumas realidades se manterão confrontadas e muitas contradições se apresentarão.

 

Muito possivelmente a pandemia de Covid-19 passará para um estado de uma doença endêmica. Certamente os Governos vão prestar mais atenção na Saúde e no Social (mais intensamente, pelo menos por um breve período próximo). Os Governos se obrigarão a prover mais e melhores soluções sociais. Novos posicionamentos serão necessários quanto ao crescimento e ao desenvolvimento. A Economia e o Mercado vão se ajustar. Se pensará nos orçamentos como instrumentos de prevenção. Ter-se-á, entretanto, muito do mesmo, inevitavelmente. 

 

Mas, embora trivial, não serão tomadas decisões muito arriscadas para resolução dos problemas gerados pela pandemia de Covid-19 e, como sempre, o esquecimento acontecerá muito rapidamente após cessarem as tensões atuais. A Covid-19 será uma história a ser contada, pois a vida tem que continuar seu caminho rumo aos próximos dias. A pandemia vai passar e a humanidade, aprendendo ou não alguma lição, seguirá seu destino.

 

 

 

 

*Carlos Magno Corrêa Dias, é professor e conselheiro efetivo do Conselho das Mil Cabeças da CNTU. 

 

 

 

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