Brasil 2022: mobilizar energias para a reinvenção do País
O diretor da CNTU, Allen Habert, fala sobre a 9ª Jornada Brasil Inteligente, os desafios da construção de um País democrático e desenvolvido e o papel dos profissionais liberais nesta tarefa.
No próximo dia 1º de julho, a partir das 9 horas, a CNTU realiza, em São Paulo, a 9ª Jornada Brasil Inteligente, que terá como tema o projeto “Brasil 2022: o País que queremos”. Na pauta da atividade, discussões sobre economia, cultura e política, visando um salto socioeconômico, cultural e científico tendo o bicentenário da Independência como norte. Nesta entrevista, o diretor de Articulação Nacional da confederação e coordenador da atividade, o engenheiro Allen Habert, fala sobre os objetivos do evento e do debate proposto pela entidade.
A 9ª Jornada Brasil Inteligente foca o projeto Brasil 2022. Como a comemoração do Bicentenário da Independência e dos cem anos da Semana de Arte Moderna, que também tem sido referência nos debates da CNTU, pode orientar a mobilização dos brasileiros para a construção do “País que queremos”?
Mais do que comemorar, com o Brasil 2022, a CNTU pretende mobilizar a força simbólica desses dois acontecimentos. Em 1822, a Independência do Brasil; quando isso fazia 100 anos, portanto em 1922, aconteceu a Semana de Arte Moderna em São Paulo. Assim, o 22 em nossa história nos parece dotado de uma força que não se esgota numa data específica. Essas duas datas, 1822 e 1922, se dão em períodos de grande ebulição política, ou seja, de debates acerca do País, de vasta produção de ideias, propostas, projetos de mudanças. Vivemos agora rumo a 2022, numa nova época de mudanças, de caminhos, dotada dessas características de ebulição, conflitos, com mais complexidade, evidentemente.
Pretendemos mobilizar os acontecimentos do passado, da história brasileira, que possam nos ajudar, mas sobretudo abrirmos os olhos, ouvidos e as mãos para o novo, para a capacidade inventiva, transformadora das pessoas, das instituições e das relações sociais. Unir as potências dos profissionais universitários com todas as demais potências criativas da ciência, tecnologia, inovação, das artes, da filosofia, da literatura, da educação. Enfim, unir as forças da cultura, respeitando-se as características de cada uma, mas proporcionando o diálogo, a interação entre elas, por um mundo melhor, pelo país que queremos e podemos produzir.
Pequenos gestos já foram feitos nesse sentido e consideramos muito positivos. Vimos trabalhando desde 2011 na montagem do Conselho Consultivo da CNTU, que chamamos de Conselho das 1.000 cabeças; realizamos já alguns debates sobre o Brasil 2022, ouvindo a sugestão de diferentes formuladores; conquistamos novos amigos e parceiros. Há muito o que fazer, o futuro é grande e nos aguarda. Apenas como exemplo dessa interação entre as entidades que compõem a CNTU, as federações e os sindicatos, com os nossos conselheiros consultivos, temos o quadro do arquiteto e artista plástico Nazareno Stanislau, que é também um estudioso das tecnologias de transporte urbano. Na 3ª Jornada Brasil Inteligente, ele fez e doou a pintura que ilustra agora os materiais de divulgação da 9ª Jornada Brasil Inteligente, que vai acontecer em 1º de julho próximo. Foi o marco zero artístico do projeto e, agora, nesse evento, teremos outro importante gesto simbólico do arquiteto e designer Ruy Ohtake, apresentando e doando à CNTU a logomarca do Brasil 2022. Nesse dia, ele é um dos novos conselheiros consultivos da CNTU que tomam posse, para a nossa grande alegria. A programação desse evento, tanto a composição das mesas de debates, quanto os depoimentos que colheremos de vários conselheiros, bem como a participação dos nossos sindicalistas e lideranças de todo o País são joias preciosas. Tesouro que não será apropriado pela CNTU de forma menor, e sim amplamente distribuído para todos que queiram se engajar nesse processo de construção de uma inteligência coletiva disposta a repensar o Brasil e inaugurar novas práticas de pensamento, ação política e convivência.
Também os formuladores e guerreiros do passado nos inspiram e nos guiam nessa prática de trabalho. Lembro do espírito de Juscelino Kubitschek, o presidente JK, que num momento de grandes dificuldades políticas no País deu o salto, unindo as forças da cultura, da indústria, da técnica, do trabalho em favor de um projeto nacional de desenvolvimento, com o Plano de Metas 50 anos em 5. Desenvolvimento com democracia é o método e a meta do Brasil 2022. Nada menos que isso, o mais que possível mobilizaremos para dar um salto qualitativo no nosso país e, quiçá, possamos ajudar o mundo a encontrar novas luzes. Estão valendo as velas, as lanternas e as novas tecnologias de iluminação física e mental. O povo brasileiro não merece o obscurantismo. Devemos assumir a responsabilidade de iluminar os caminhos do desenvolvimento com justiça social e compartilhamento das riquezas materiais e espirituais entre todos. A técnica é importante, mas o tecnocratismo prepotente, sem considerar a contribuição fundamental do povo, não nos ajuda. Podemos mais e melhor.
A CNTU é uma entidade muito interessante e é fruto de uma conquista que levou quase 30 anos para ser alcançada. Da renovação das nossas entidades sindicais , a partir de 1978, à criação da CNTU, em 2006. O nosso presidente, o engenheiro Murilo Celso de Campos Pinheiro, é um homem dotado de grande sensibilidade e competência política para a convivência das diversidades e diferenças. A diretoria da CNTU é um arco muito representativo do que há de melhor no País, com uma enorme capacidade de trabalho e diálogo interno e externo. As nossas quatro federações são o exemplo da batalha positiva diária de construção permanente do sindicalismo moderno. Os nossos 56 sindicatos filiados à CNTU reúnem lideranças e profissionais decisivos para uma sociedade acolhedora, tecnicamente competente e politicamente democrática. A CNTU não é uma caixa de Pandora e sim o mapa do tesouro da democracia. Por isso, ela formulou e pode animar vitoriosamente esse projeto avançado, generoso, que é o “Brasil 2022, o País que queremos”.
Qual seria a agenda mínima para se chegar a 2022 nesse caminho de avanços propostos pela CNTU? Objetivamente, o que o se considera possível alcançar nesses seis anos que nos separam do bicentenário?
“Brasil 2022: o País que queremos” é uma formulação política e cultural que estimula, provoca as forças sociais a irem buscar uma ação de grandeza, de superação. Precisamos estar à altura do significado moderno dessas datas. Combater a ideia de que somos menos, que perdemos o bonde da história, que não tem jeito...esse chororô danado. Perceber onde estão os nós górdios a serem cortados. Qual é o grito que falta para completar nossa independência? Como um país-continente tão extraordinário não tem dinheiro para o social? Como não sobra dinheiro para as questões básicas? Estas perguntas estão no ar e devemos desvendá-las. Esclarecer as pessoas disso.
Temos três diretrizes que são já bastante ambiciosas. A primeira diz respeito à própria CNTU com um conjunto de orientações iniciais para formularmos questões e respostas sobre as profissões universitárias e sobre o sindicalismo dos profissionais universitários. A segunda é criar uma rede de parceiros, cada parceiro com a suas características próprias desenvolver o seu Brasil 2022, e também realizarmos em conjunto algumas ações. A terceira é mobilizar um conjunto de cidades para uma Conferência Nacional, precedidas de conferências municipais e estaduais, que formulem propostas prioritárias por região e para o País.
Acreditamos que o mais importante, que está embutido nessas três diretrizes, é contribuir para estimular uma nova cidadania não excludente, atuante, crítica, bem informada sobre o País, que já existe, capaz de se comprometer e se empenhar na construção do seu destino coletivo. Nunca a política foi tão importante para a vida coletiva como agora. Ela está em alta. Precisamos estimular lideranças que tomem para si a responsabilidade ética de tomar decisões e orientar a democracia e o desenvolvimento, em nível micro e macro. Estamos planejando desenvolver um curso de formação de cidadania para qualificar muita gente a se tornar guardiões ativos, vigilantes, operantes da democracia e do desenvolvimento. Se ajudarmos nesta direção será positivo. Mas queremos, além do curso, animar a realização de exposições, debates, publicações, filmes, movimentos voltados a esse objetivo maior que é informar e formar pessoas para um novo momento de nossa história. Multiplicar a cidadania com alto espírito ético e includente. Ética e inclusão talvez possam ser entendidos, hoje, como partes de uma mesma moeda.
Quando falamos que o Brasil vai mudar de pele em 2022 é a ideia de formar um novo bloco majoritário de forças sociais e culturais interessadas num novo salto democrático. A democracia é um sistema de conquistas dentro de um regime de conflitos, disputas e contradições. Claro que nesse processo, haverá também momentos de festa e confraternização. Unir razão e emoção, subjetividade e objetividade, é muito importante. Tudo isso depende da nossa capacidade de fazer caminhos ao caminhar. Evoco a formulação genial de Goethe, que sempre me inspirou. A de que no momento em que nos comprometemos definitivamente com uma ideia, uma ação, a Providência move-se também. Toda uma corrente de acontecimentos brota da decisão, fazendo surgir a nosso favor toda sorte de incidentes, encontros e assistência material que nenhum homem sonharia que viesse em sua direção. O que quer que você possa fazer ou sonhe que possa, faça. Coragem contém genialidade, poder e magia. Isto está embutido no projeto Brasil 2022.
Que perguntas essenciais as discussões que acontecerão durante o evento devem responder para contribuir com esse salto que se almeja?
O salto que se almeja exige de nós termos pernas fortes. Capacidade para caminhar um longo caminho que não está traçado de antemão, mas sabe-se que é fundamental evitar as lombadas e o isolamento. Unir, articular, costurar, ousar, ampliar. Democracia é um investir permanente. Toda a sabedoria universal nos ensina que a caminhada é muito importante para o pensamento. O sedentarismo das pernas e da cabeça não ajuda em nada. A 9ª Jornada Brasil Inteligente que vai debater o Brasil 2022 é uma plataforma de união dos brasileiros para desafiar nossas energias e nossa capacidade de nos reinventar. Um ato contra o sedentarismo, contra os absolutismos, contra a desistência da boa luta. A boa luta é aquela que evita o binarismo do ou isto ou aquilo. Quando reduzimos a complexidade da vida no ou isto ou aquilo, ficamos sem ares e sem pernas, e nunca entendemos se é isto ou aquilo. Reinventar o Brasil é uma ação que entende que o futuro se desenha e se projeta no presente.
Os temas e os debates que programamos para a 9ª Jornada têm a intenção de levantar um pouco da complexidade que vivemos. Na parte da manhã, pretendemos colocar problemas importantes para o nosso movimento sindical e os movimentos sociais, as questões da soberania e da cultura. O que é soberania na atualidade? Qual a relação que nos liga com 1822 e com 1922? Como podemos ser soberanos num mundo globalizado? Em nome da soberania, podemos praticar horrores? Certamente não podemos abrir mãos da nossa soberania, individual e coletiva. Precisamos até mesmo reforçá-la e talvez esse reforço dependa muito das nossas alianças. No caso do Brasil, essa questão das alianças com outros países, tanto da América do Sul, nossos vizinhos, quanto de outras partes do mundo. Parece-nos que não podemos pensar nossa soberania como se o mundo fosse bipolar, pois vivemos num mundo com muitos polos. Precisamos construir uma nova ordem mundial de convivência num mundo com muitos centros de força e poder. As mídias muitas vezes querem nos fazer acreditar que o mundo se divide em terror e antiterror. Ora, isso pode nos levar à guerra total. O ódio, a vingança, a guerra aniquilam as nossas esperanças. Entre o ódio e o amor, fiquemos com o amor. A transformação pessoal e social depende também de um certo ascetismo, um distanciamento das coisas, uma capacidade de selecionar o que é de fato importante. Na cultura, pretendemos discutir, entre outras coisas, a nossa identidade como povo. Será que os símbolos da nossa identidade nos dizem ainda alguma coisa? A cultura é o fio que nos une enquanto um povo que se afirma em constante mudança. A ciência, a tecnologia e a inovação, que são fontes de cultura e de poder, necessitam de um comando ético da sociedade?
Na parte da tarde, o tema é mais clássico para o movimento sindical. Economia e Política. Mas também aí temos que conversar muito, pois nos parece que não se justifica o sacrifício do povo quando grande parte das nossas riquezas produzidas por todos são apropriadas por uma minoria sedentária. Esse é um dos debates mais sérios para o Brasil 2022, pois queremos pensar um modelo de desenvolvimento includente, criativo, que gere empregos de boa qualidade e oportunidades de trabalho avançados com relações mais saudáveis, menos servis, menos brutas. Precisamos identificar os nós górdios a serem cortados. Por que não sobra dinheiro, investimento para as áreas sociais, num país tão rico? Que a vida é complicada de qualquer jeito, isso não há dúvida, mas não podemos abrir mão de construir uma sociedade do acolhimento, fraterna onde o ser humano coloque a economia e a política ao seu serviço. E não ao contrário. Precisamos ver o que o pensamento ortodoxo pode nos oferecer de bom e também a heterodoxia. Evitar os binarismos é fundamental. Os terrenos da economia e da política são acidentados. Para que não caíamos nas armadilhas, precisamos saber margear os planaltos. O nosso país tem um território e uma cultura popular muito ricos em platôs, e isso é muito bom e deve ser observado. Por isso, o salto que o Brasil 2022 quer dar é aquele salto dos atletas que exige repetição obstinada e cautela, mas muita ousadia.
A atividade da CNTU acontece num momento de crise política e recessão econômica no País. Como a entidade e os profissionais representados por ela podem contribuir na busca de soluções para esses problemas?
A participação dos profissionais universitários na vida política é fundamental para mudar o País e a nós mesmos. As especializações, o conhecimento técnico e humanístico dos problemas é uma das vertentes dessa participação. Na CNTU, estão representados profissionais da engenharia e tecnologia, da economia e da saúde. Ou seja, aqueles que lidam com problemas muito concretos da vida social, da infraestrutura, do financiamento e do acolhimento. Se fizermos uma cartografia dos grandes temas brasileiros da atualidade, veremos que essas profissões estão diretamente ligadas a eles. Nós devemos ter orgulho disso, não desprezar jamais o que conquistamos com estudos durantes décadas, com trabalhos já realizados, com contribuições efetivas dadas à vida social. Portanto, podemos sim e devemos sugerir, propor e executar soluções viáveis para o desenvolvimento brasileiro. E isso nos obriga a ter sobre nós um alto grau de exigência, sermos bons no que fazemos, fazer o melhor, o que exige de nós a educação continuada, o aperfeiçoamento profissional. Mas é preciso nesse processo aguçar também o espírito crítico, conhecermos melhor a sociedade e o mundo em que vivemos, o que exige de nós aprender outras coisas, além das nossas especializações, seja no sentido teórico, seja no das vivências. O orgulho não pode nos atrapalhar, se temos orgulho é para sermos simples, engajados na vida social, pois não há solução fora dela. Não nos postar na torre de marfim, pois somos trabalhadores como os demais. Cada um com sua especificidade , inserção e capacidade. Termos consciência que as inteligências são coletivas, ou seja, ninguém sabe tudo, todos sabem alguma coisa e não há conhecimento que não possa ser adquirido.
Uma segunda vertente diz respeito à democracia. Na sociedade há um uma luta permanente dos diversos setores econômicos e sociais em relação à influência junto ao Estado, ao direcionamento dos investimentos. Isto pode ser feito através da democracia ou pela via autoritária. Vivemos um momento de turbulência perigosa da democracia. Ao mesmo tempo, a política se socializou e as pessoas perderam o medo de ir às ruas. Democracia é um processo de conquistas. Sem a democracia, o que temos? Temos a ameaça autoritária, um tremendo enrijecimento do poder, a escalada da prepotência, a mordaça, o intolerável. Já passamos por isto e a sociedade rejeitou este modelo. Devemos acreditar e trabalhar em favor das soluções democráticas como forma de resolver melhor os problemas complexos que permanentemente vivenciamos. Apostar na ampliação da democracia no Brasil e na América do Sul. A representação através do voto deve ser afirmada e melhorada. Restringir a influência deformante dos interesses econômicos no processo eleitoral é uma nova etapa a ser vencida. Devemos também encontrar meios para facilitar a participação do cidadão nos problemas da cidade. Não haverá saída para as grandes cidades sem a intervenção e o protagonismo deste imenso contingente de profissionais universitários de forma crescente e inteligente (aplicativos, debates, acordos). O projeto Brasil 2022 trabalha neste sentido, estabelecendo relações e estimulando a cidadania crítica e proativa. Também devem ser afirmadas as formas de organização social, o sindicalismo, o movimento social, as entidades de diversos tipos de representação e participação, as diversas formas de expressão e reivindicação da sociedade. É difícil? É difícil, é complexo. Trinta por cento da população vive em ilhas de prosperidade, enquanto o restante está excluído ou tende à exclusão. Isto é fonte de conflito permanente. Capitalismo sem democracia é o capitalismo selvagem, puro, sem mediações. A democracia deve ser desenvolvida, inclusive para melhor socializar a economia, distribuir a renda, ampliar as oportunidades, estabelecer acordos e contratos. Poderíamos chamar isto de democracia progressiva. Outros podem formular como sendo um capitalismo inclusivo. A democracia deve ser também o espaço de questionamento do consumismo predatório e do pensamento estreito e excludente, possibilitando aos seres humanos ir além, na valoração da vida espiritual, da evolução mental, da ampliação da consciência ecológica e cosmológica.
Qual o papel da cultura, um dos temas que estarão em pauta na 9ª Jornada, nessa batalha pelo aprofundamento da democracia e do desenvolvimento?
Há muitas formas de abordagem da cultura. Uma delas é cultura como conjunto de valores e práticas de um grupo ou povo. Esse sentido é bem amplo e envolve tudo praticamente, então não podemos dissociar democracia e desenvolvimento da cultura, jamais. Não é que se tenha que passar as mãos na cabeça da cultura, há que entendê-la como processo, como movimento, de onde veio para onde tende, onde estão as brechas, as descontinuidades, as rupturas provocadas pelos acontecimentos da natureza, da economia, da política e da comunicação. Os grupos que se pautam pela TV não têm a mesma cultura dos grupos que atuam na internet. Os grupos que vivem em condomínios não têm a mesma cultura dos grupos que vivem em favelas ou cortiços. Os grupos que são organizados politicamente não têm a mesma cultura que os grupos que se sentem ou querem ser apartados da política. Os grupos que vivem no campo não têm a mesma cultura dos urbanizados. E dentro de cada grupo há nuances. Portanto, a cultura é ampla e complexa, tanto quanto a economia, a política etc. A visão tecnocrática pretende desconhecer a cultura. Ao, por exemplo, projetar um conjunto habitacional popular costuma desconhecer para quem exatamente está produzindo as casas ou apartamentos. A tecnocracia costuma ver o povo como uma massa amorfa, sem reconhecer sua cultura ou culturas, provocando muitas vezes rupturas desastrosas, esvaziando o sentido da vida das pessoas. Claro que a vida poderosa se reacomoda, mas muitas vezes a um custo social e individual muito alto. Exemplo disso são as cidades, principalmente as grandes, quase insuportáveis, com pouco espaço para os encontros, para o lazer e para a boa saúde. Somos um país tropical abençoado por Deus e pela natureza, mas as cidades não são abençoadas assim. Temos sol, mas não tomamos sol e, por isso, há tantos problemas de saúde, especialmente da pele. Somos um país gigante, um continente, mas não temos espaços decentes para caminhar e ficamos doentes de sedentarismo e de solidão. Somos um povo festeiro, mas não temos espaço para festas populares que não sejam essas conduzidas pelo marketing. Somos um país de alta biodiversidade com uma longa tradição de alimentação diversificada, mas os mercados de norte a sul oferecem os mesmos produtos, quase tudo com muita toxina. Temos os maiores aquíferos do mundo, mas bebemos água de baixa qualidade e comercializada. Somos um povo virador, criativo, colorido, mas a educação é baseada na decoreba. O resultado disso é desastroso: violência, barbárie, individualismo, ignorância, alcoolismo, drogadição etc. Não é por acaso que as filas nos postos de saúde são cada vez maiores.
A cultura entendida como arte e criação, que está incluída no que estou comentando, mas merece um destaque à parte, deve ser também pensada com força no Brasil 2022. Costumo pensar que a cada 50km tem uma nova cultura no país. É isto que une este país, sua gente. Devemos ser um dos países mais musicais do planeta. Damos muito valor aos minérios, ao petróleo, às florestas. Isso é importante, mas talvez o ouro do Brasil contemporâneo seja a cultura de massas e a de cunho mais erudito, as duas não se separam assim, estão misturadas, sabemos disso. Tudo isto com todas as influências internacionais. O que nós não sabemos muito bem fazer é dar o devido valor a esse potencial fantástico dos brasileiros. Há um enorme movimento de resistência dos produtores de cultura e dos artistas. Eles fazem muito com muito pouco. A sociedade deve muito a eles e ao mesmo tempo lhes oferece muito pouco. Temos a fé e a esperança de que o combustível do Brasil 2022 seja esse povo artista misturado aos profissionais universitários, muitos deles também artistas. Literatura, cinema, cultura digital, poesia, teatro, música, dança, circo, moda, pintura, grafite, design, escultura, artesanato, um enorme caleidoscópio, um verdadeiro “Poemabras” no Brasil 2022, é o que mais queremos. Não no sentido comercial, que não é o mais importante, mas das vitalidades humanas desse país, sua mais autêntica saúde. Os sindicalistas precisam abrir os olhos, a cabeça e o coração para isso, se não quiserem ser os dinossauros. E os políticos precisam parar de sair da sala quando o assunto é cultura...
Confira a programação da 9ª Jornada Brasil Inteligente
Rita Casaro - Comunicação CNTU
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